Haverá maneiras menos interessantes ou mais convencionais de contar a história de um homem atormentado pelo desejo de assegurar a sua descendência. À Meia Noite Levarei Sua Alma é talvez uma das mais estranhas visões da vontade masculina de assegurar um legado dinástico, através de um dos mais intrigantes filmes de terror que já vi.
Este é um daqueles filmes que encarna a expressão tão mau, tão mau que se torna bom. José Mojica Marins escreve, realiza e encarna um filme que acumula todos dos lugares comuns do género. Assassínios, almas penadas, divagações góticas com caveiras de papier machè, violência cínica, féretros putrefactos, premonições amaldiçoadas, presságios funestos, terrores nocturnos no cemitério, até uma espécie de proto-zombie tem direito a segurar uma vela neste filme. A iconografia do terror clássico, da historia de fantasmas vitoriana, é revista à luz da ruralidade brasileira dos anos 60 com um toque grand guignol. Para a história do género fica a personagem Zé do Caixão, cangalheiro amoral que é mergulhado num vingativo turbilhão sobrenatural.
Apesar de todas as suas falhas, o filme aguenta-se com uma rigorosa progressão lógica que transmite uma metódica descida aos infernos. Os adereços e efeitos especiais primam pelo amadorismo. A sonoplastia é quase inexistente e as prestações dos actores algo de inenarrável. Isto é Ed Wood tropical ao ritmo do samba e candomblé a canalizar a mais clássica tradição do terror gótico europeu. Resta o icónico Zé do Caixão, personagem maior que o ecrã, canalizado por Morins como um alter-ego demente que se atreve a representar os mais recônditos desejos ocultos nos recantos negros da alma.