Não menos do que quatro gotinhas espremidas de sumo de limão nem mais do que sete, é a receita para um chá capaz de despertar os sonhos nas noites de verão. Como definir este filme sublime? Elaborado sonho de noite de um verão que já passou é, talvez, apropriado. Chá Forte Com Limão é um conto elegante de fantasmas em que um espírito inquieto vinga-se com doçura de um crime passional cometido décadas antes dos acontecimentos retratados no filme. Ou é uma comédia de costumes, reconstituindo o mundo aristocrático próximo do final do século XIX, onde o bom nome, a aparência, a linhagem e a elegância alicerçada em rígidas normas tudo contavam. Não é por acaso que o filme se desenrola entre uma casa e um jardim isolados de um mundo em redor que já acusa as convulsões que viriam no século XX. Ou é uma história de amores obsessivos mas recalcados pela força das convenções sociais. Ou é tudo isto, num filme muito belo feito de olhares subtis, frases com sentidos duplos ou tríplices, silêncios gritantes e pormenores inquietantes.
Este é um filme de conflitos, entre novos e velhos tempos, entre tradição e modernidades que se anunciam, entre mulheres, entre gerações, até entre homens que se batem por uma honra que é oca no seu fundamento. Conflitos que explodem em catarses, umas amorosas, outras de pólvora, outras em que sentimentos e segredos reprimidos vêm irremediavelmente à tona. E que terminam numa solidão vazia, rodeada de finas porcelanas, rendas elaboradas e doçaria a acompanhar um chá que ficará para sempre solitário.
É também um filme de precisão, percebida na subtileza e profundidade expressiva do trabalho dos actores, em particular o sublime desempenho de Isabel de Castro como aristocrata de segredos ocultos, ironia cortante e arreigada a um tempo e um costume que está em processo de desagregação.
Visualmente somos avassalados pela beleza da imagem. Enquadramentos rigorosos, perfeitos, a remeter para a pintura clássica. Um tratamento inigualável de cor... bem gostava eu de saber como é que António de Macedo conseguiu que as sombras não fossem meramente cinzentas, com toques de cor mesmo no lado mais obscuro. Todo um ar luminoso, a fazer brilhar a belle époque em que o filme nos mergulha. Junte-se a isto a rigorosa reconstituição de época num palacete e jardim de grande beleza.
Chá Forte Com Limão foi, infelizmente, um canto de cisne na obra de António de Macedo, cineasta olhado de soslaio pelo mainstream que não lhe perdoa a vertente do fantástico e sobrenatural e talvez no fundo o que não lhe perdoa é aquela que é a mais forte característica dos seus filmes: complexos e profundos, são também divertidos. Agarram quem os vê intelectual e emocionalmente. Fazem pensar, sonhar, e durante o tempo de projecção não se dá pelo passar das horas. E ficam com o espectador muito depois de sair da sala de cinema.