A lenda tradicional da Dama Pé-de-Cabra popularizada por Alexandre Herculano, é abordada por António de Macedo num filme ritualista alicerçado numa sólida reconstituição da era da reconquista. Filme ritualista pela sua lentidão e hieratismo. Os actores movem-se em gestos comedidos, declamando solenemente os diálogos numa reminiscência do teatro clássico. A força e intemporalidade das tradições e lendas de antanho saem reforçadas por este tratamento. Quanto à lenda em si, Macedo não se fica pela versão popularizada por Herculano na obra Lendas e Narrativas, mergulhando mais fundo na raiz popular e histórica. O filme define-se pela luta subtil entre o bem intemporal simbolizado por um sábio visigodo e o mal escatológico do demónio de raiz popular encarnado pela bela e altiva dama de vestes brancas imaculadas. Esta colisão não esgota este mergulho nas lendas de antanho, completo com lutas da baixa nobreza, religiosos interesseiros, povo manobrável e injustiçados que assombram a noite profunda da aldeia com a corda da forca ao pescoço.
Talvez pelo tema, talvez por ter sido filmado para televisão, não se sente neste filme o poderoso sentido da cor que atravessa a obra deste cineasta singular, embora o enquadramento preciso sublinhe a forte carga simbólica do filme.
Coisa rara: encontrar imagens dos filmes de Macedo é tarefa difícil. Para este, no entanto, deparei com uma página carregada de imagens que ajudarão quem não o conhece a ter uma ideia do que é este filme.