John Scalzi (2012). Redshirts: A Novel with Three Codas. Nova Iorque: TOR.
Nas séries televisivas de FC há personagens que foram criados expressamente para serem atomizados, aniquilados, engolidos por monstros mutantes, alvos de raios da morte ou outras sevícias destinadas a sublinhar o carácter heróico dos personagens principais e a conferir momentos emocionais à narrativa. Redshirts é o termo que os imortaliza, baseado no facto de na série de televisão Star Trek os tripulantes de camisa vermelha que acompanham o comandante Kirk e companhia nas suas alvas vestes azuis terem geralmente o destino traçado antes do intervalo para anúncios.
Mas e se... num futuro distante, quatro aspirantes colocados na nave capital da União de Planetas depressa descobrem que algo de estranho se passa. A taxa de mortalidade em missões é vastamente superior ao normal na frota. A nave capital parece estar sempre envolvida em aventuras violentas, apesar de como símbolo da frota ter sido destinada a missões de cortesia. Tripulantes que acompanhem os oficiais superiores em missões geralmente não sobrevivem a pragas, rebeliões ou devorados nas mandíbulas de vermes gargantuescos. Os oficiais superiores estão sempre em missões dramáticas, na qual são feridos gravemente mas recuperando sempre em poucos dias. Sempre que há batalhas espaciais sobra sempre um projéctil inimigo que não é destruído pelas defesas da nave e provoca estragos sempre no mesmo convés. E, nos momentos mais críticos, a lógica e a física parecem suspender-se para dar mais gravitas às situações.
A explicação é surreal. Sob influência de uma força nunca explicada, a tripulação da malfadada nave está condenada a replicar as tropelias e desventuras de uma má série televisiva de ficção científica. Nos momentos em que a narrativa ficcional se sobrepõe à realidade, a normalidade é suspensa e os personagens descobrem-se até a dizer palavras que nunca pensaram. Os tristes aspirantes depressa se apercebem que ou procuram lutar contra os espartilhos narrativos ou a sua esperança de vida diminui aceleradamente. Para sobreviver, utilizam as armadilhas narrativas para viajar no tempo e vir ao passado para convencer os produtores e argumentistas da série a ser mais benévolos no tratamento dos personagens e nas aventuras da nave.
Redshirts é uma longa anedota metaficcional, reflexão bem humorada sobre os estereótipos do lado mais visível da FC, sobre as suas incoerências e truques narrativos. Um livro cujas personagens passam boa parte do tempo a debater se são reais ou personagens de uma má série de ficção quando no fundo são personagens de um livro têm a capacidade de torcer o cérebro até as sinapses se esticarem ao limite mas a prosa leve de Scalzi consegue tornar este livro numa história bem ritmada de aventuras inauditas polvilhada por potentes meditações sobre meta-ficção. E sim, num ponto os personagens perguntam-se se tudo será real ou apenas elemento ficcional mas Sclazi resolve isso estampando a nave contra um asteróide. Porque uma boa anedota não se prolonga até ao infinito.