Adoramos o conceito de organismo cibernético como uma mesclagem de homem-máquina, onde a carne se funde com engenhosos mecanismos e virtualidades digitais que aumentam a percepção dos sentidos. E enquanto imaginamos as possibilidades, encarnadas em inúmeros ícones da cultura de ficção científica, entramos num objecto espaçoso, concebido para o indivíduo, colisão de física com engenharia e química com uma cada vez mais progressiva integração de sistemas inteligentes. É um objecto que nos deixa transcender os limites biológicos da velocidade e que altera a percepção de espaço e tempo. Dentro dele, as distâncias medem-se em tempo, e o tempo contrai-se ou dilata-se em função da velocidade variável de acordo com os contextos de espaço. O local torna-se um borrão que medeia entre os pontos de partida e chegada.
Não lhe ligamos muito. É uma tecnologia antiga, amadurecida. Coloca na ponta dos dedos de quem a utiliza possibilidades de transcendência dos limites biológicos aliada a uma capacidade catastrofista inerente à colisão entre espaço e velocidade. Tal como outras tecnologias que se tornaram indispensáveis à natureza humana, o carro é exo, exterior. Canetas, computadores, smartphones, relógios e tantos outros objectos não se integram como parte do corpo. Não são próteses que fundem materiais compósitos e carne, mas são elementos de um vasto exo-esqueleto que aumenta as capacidades dos utilizadores e os transforma de maneiras fundamentais. McLuhan dizia isso quando observava que as tecnologias que utilizamos transformam as nossas percepções, e é o tema do intrigante ensaio Mundane Cyborgs de Steven Mentor.
Não somos T-100s, com o vermelho olho biónico a piscar por entre os rasgões na pele que revelam o esqueleto metálico ou cérebros humanos que controlam mecanismos avançados. Ou seremos?