terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Desafios

Na terça-feira passada fizeram-me uma proposta interessante. O meu orientador sugeriu-me ir apresentar parte do trabalho que estou a desenvolver na sala de aula a um grupo dos seus alunos. Sugestões do orientador são ordens, e por isso vi-me à frente de um grupo de alunos de informática a apresenntar o trabalho feito com os alunos no Avatar Studio. Eu, mero professor de EVT e desenrascador digital. Frente a alunos capazes de me derreter com uma simples pergunta. Enfim... meia bola e força.

Ao contextualizar o trabalho que estou a fazer com os alunos, um dos assistentes revelou-se surpreendido. Também trabalha numa escola (fiquei sem perceber se era professor, mas não quis aprofundar), referiu que conhecia muitos professores de EVT e nenhum fazia nada semelhante, uma vez que 3D não fazia parte do programa, e a abordagem às TIC só estava prevista para os nonos anos. Antes de começara a minha apresentação sobre o Avatar Studio confrontei esta questão. Mostra bem algumas das problemáticas e pré-conceitos que se colocam quando se trabalha com crianças e ferramentas digitais.

A primeira questão tem a ver com a estanquicidade dos conceitos. As TIC são na verdade transversais a todos os currículos disciplinares, quando utilizadas como ferramenta. E são currículo, quando são desenvolvidas em àrea própria. Têm um carácter híbrido, ausente da maior parte dos conhecimentos previstos nos currículos (apesar das boas intenções de interdisciplinaridade). Ao trabalhar 3D com os alunos, não estou a trabalhar este conceito como um contéudo estanque, mas sim como um meio de expressão que pretence chegar a um objectivo bem definido: concretizar um trabalho, para o qual concorrem diferentes saberes que necessitam da aprendizagem de vários conteúdos. 3D não é um conteúdo, mas perspectiva é, e manipular objectos em 3D facilita e muito a compreensão dos princípios elementares da perspectiva. Este é um dos eixos do meu trabalho: utilizar o digital como ferramenta de expressão, e não como uma finalidade de aprendizagem. O mais importante não é que os alunos aprendam a dominar o computador e a aplicação (embora esse seja o caminho necessário). O importante é que os alunos aprendam novos saberes que os levem a concretizar um trabalho específico.

Outra questão prende-se com a utilização dos meios digitais por parte dos professores de EVT. Boa parte utilizam-nos, inclusive ferramentas avançadas de desenho vectorial, animação, edição e imagem e 3D, mas não transferem esse uso pessoal para a sala de aula. O porquê intriga-me. Talvez por uma visão tradicionalista da disciplina, dos seus meios de expressão, e talvez por uma visão tradicionalista dos contextos artísticos que valoriza alguns meios tradicionais de expressão. A pintura a óleo é nobre, a arte digital é... incompreendida. Não que o computador não seja utilizado na sala de aula, mas é-o como suporte a apresentações, ferramenta de pesquisa e edição de texto. Surpreende-me que um professor seja capaz de utilizar uma ferramenta de desenho vectorial mas não lhe ocorra trabalhar essa ferramenta com os alunos. Por outro lado, um número significativo de professores da disciplina não utiliza o computador de forma pessoal ou apenas o utiliza para utilizações simples - elaboração de textos e navegação. Também não é fácil integrar o computador como ferramenta de trabalho numa sala de aulas. O primeiro factor é o material em si. Normalmente não se dispõe de um computador por aluno, ou sequer de um para dois alunos. Trabalhar com o computador pode obrigar a deslocações a salas específicas, descontextualizadas da área disciplinar. Apresenta problemas logísticos de gestão de espaços, comportamentos e trabalhos.

A utilização do computador é hoje estimulada em todos os níveis de ensino. Mas a exploração de ferramentas mais avançadas é rara. Normalmente o computador é utilizado como ferramenta de pesquisa, produção de texto e apresentação. É um uso que se adapta bem aos currículos existentes, concebidos antes da revolução digital. Substitui as horas passadas na biblioteca, a máquina de escrever e o acetato. A utilização mais criativa e avançada é normalmente reservada a contextos próprios, isolando-a como algo à parte, aparentemente inacessível e incompreensível. Mas porquê? Porque não experimentar utilizações diferentes, noutros contextos? Basta olhar para o trabalho desenvolvido por Minsky e Papert para perceber que utilizações ditas avançadas - recriar, construir, programar, podem ser realizadas com crianças. Obriga é a alterar a pedagogia, a metodologia de trabalho subjacente. Aqui, a disciplina de EVT apresenta-se como um campo fecundo. Nós, professores, de EVT, orgulhamo-nos do carácter experimental e criativo da disciplina, o que a adequa a utilizações construtivas do computador. No entanto, ao pensar na utilização do computador a maioria rejeita-o ou resvala para o uso clássico, que eu não resisto a apelidar de limitado. Outra coisa que pretendo demonstrar com o meu trabalho é que é possível integrar o computador na aula de EVT, utilizando as aplicações que permitem uma utilização expressiva em contexto de trabalho na disciplina, não como elemento isolado mas como meio de expressão a que se recorre para concretizar um trabalho pictórico (fico-me pelo pictórico por enquanto... quem sabe dentro de uns aninhos não estou a experimentar a obra verdadeiramente tridimensional, com robótica ou rapid prototiping).

Não sou o único professor a integrar ferramentas digitais desta forma na sala de aula. E não é fácil. Já o faço há pelo menos sete ou oito anos e senti na pele as barreiras, as dificuldades e os caminhos de sucesso. Recordo-me quando há uns anos disse a uma amiga, designer gráfica, que utilizava o photoshop com os alunos. Ela olhou-me como se eu fosse louco e referiu que era uma ferramenta muito complexa. Pois, pois é. Mas o meu objectivo não era que os alunos de dez e onze anos aprendessem as nuances do programa. Bastava que experimentassem algumas possibilidades gráficas. Entretanto deixei-me do Photoshop. A única forma de o utilizar com os alunos não era legal e nos últimos anos tenho-me preocupado com a ética digital (ajudado pelo refinamento do software aberto). Outra dificuldade que senti foi a de espaços e materiais. Nos primeiros tempos, tinha de retirar os alunos do espaço físico da aula, dividindo a turma se necessário, para os colocar na sala de informática ou biblioteca/centro de recursos. Tempo de deslocação que era tempo perdido, e a descontextualização preocupava-me. O que me abriu novas possibilidades foi o projecto, de há quatro anos, de equipar as escolas com um número reduzido de computadores portáteis (que ainda sobrevivem, a custo). Consegui começar a utilizar o computador na sala de aula, e com isso consegui manter os contextos. Permitiu a rotação de trabalhos, permitiu a multidisciplinaridade, permitiu que o computador não fosse visto como algo isolado, mas sim como mais uma ferramenta. Por outro lado, colocou (e coloca) problemas de logística e gestão que não são fáceis de resolver.

Quanto à ideia que há momentos próprios para se aprender determinados conteúdos, sou totalmente contra. A missão da escola pública vai mais além do que dotar a generalidade da população de conhecimentos elementares; pode, e deve, incluir a disseminação do património cultural. Não falar de um assunto só porque não faz parte do âmbito da minha disciplina é algo que não me passa pela cabeça (e gostaria eu de ter mais tempo para falar de outras coisas com os alunos). Quando era director de turma havia aulas de formação cívica que as destinava ao cinema, mostrando excertos de obras como 2001, Metropolis ou... Frankenstein. Excertos porque não havia tempo de ver o filme por completo, embora por vezes os alunos mo pedissem. A ideia era a de divulgar aquilo que poucos conheceriam, e nos contextos culturais e sociais onde se inseriam possivelmente não chegariam a conhecer. Corri o risco de um certo elitismo, mas e porque não? Não pode a escola abordar uma cultura mais erudita? É o mesmo raciocínio que aplico à utilização do computador. Interessa-me que os alunos desenvolvam a expressão criativa. Utilizar o vídeo, o desenho digital e o 3D são novas ferramentas que permitem atingir esse objectivo. Tintas, pinceis e lápis são muito interessantes, e estas novas ferramentas também. Estou a tentar demonstrar que podem coexistir, e a criar metodologias que permitam a outros professores da disciplina perderem o medo, ou o pendor para o traducional, e arriscar a utilização destas ferramentas. Não quero com isto fazer uma apologia do abandono das técnicas tradicionais; mau serviço prestaria aos alunos se por aí fosse. Uma educação global envolve o conhecimento da tradição e do moderno, são no fundo indissociáveis.