quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Sem Título



Comecei o dia com uma aula de estudo acompanhado em que a tarefa dos alunos consistia na realização de uma ficha de preparação para o teste de matemática. Aproveitei o tempo mais calmo para ir desenhado uns dragões-dinossauros que obviamente atraíram a atenção dos alunos. Aproveitei e dei umas dicas a uns alunos mais afoitos no lápis sobre como desenhar os bichos. E porque não? Lembro-me muito vagamente de tudo o que fiz na escola primária, mas ainda me lembro daquele professor substituto que esteve uma semana ou duas a substituir a minha já esquecida professora primária (a quem eu me lembro que provoquei alguns cabelos brancos) e que me ensinou a desenhar carros. Ainda hoje me lembro como... duas bolinhas para os farois, umas linhas para o radiador, um rectângulo alongado para o pára-choques completo com matrícula, dois rectângulozinhos para os pneus, e um rectângulo torto para o vidro.

Horas depois, um desses alunos, que claramente passou o resto do dia a tentar desenhar dragões (que me desculpem, caros colegas, por ter provocado tal desatenção nas vossas aulas), vem ter comigo no recreio.

- Ó professor, depois tem de me ensinar melhor a desenhar dragões!
- Tudo bem, depois na aula dou-te mais umas dicas.
- E um dia destes tem de me dar umas aulas de desenho!
- Então, e eu sou o teu professor de quê?

O aluno sorriu embaraçado e lá foi à vida dele...

(para quem não sabe, sou professor de Educação Visual e Tecnológica... onde o desenho também faz parte do currículo.)

O dragão fica para outro dia. Por hoje este gatito, de ar estupefacto.

Leituras

BBC | Ancient Moon computer revisited O mecanismo de Antikithera é um daqueles fenómenos mediáticos que volta não volta vai sempre ressurgindo. Descoberto por entre o espólio de um navio romano, o mecanismo resume-se a uma série fragmentos de rodas dentadas. Todo o mistério em volta do mecanismo prende-se com os seus possíveis usos e com a nossa ignorância das capacidades tecnológicas da Grécia antiga - que, relembro, já sabia dar uso ao vapor para colocar objectos em movimento.

Guardian | Putin's power struggle A Rússia pós guerra fria está a emergir com uma sociedade perigosa, governada por oligarcas de negócios obscuros e encabeçada por um governo que não hesita em utilizar as suas capacidades de produção energética para conseguir forçar os seus objectivos - um pensamento inquietante quando se recorda que hoje a Europa depende da Rússia para 25% das importações de gás natural, com previsão de 70% em 2020.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

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Pronto. Dias longos e trabalhosos, muita burocracia à mistura com origami. Cérebro demasiado cansado para conseguir articular pensamentos.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

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Agora já está um pouco mais identificável...

Leituras

BBC | UN warning on e-waste mountain Já pensaram para onde vão os velhos computadores ou os telemóveis descartados? Acabam geralmente em montanhas de lixo nos países do terceiro mundo, cujos habitantes ficam sujeitos às nefandas acções dos químicos perigosos libertados pelas montanhas de lixo electrónico.

Guardian | Creatures of compassion Aqueles que lutam pelos direitos dos animais são muitas vezes acusados de desrespeito pelas mais básicas necessidades humanas. Mas a sociedade que sente compaixão pelos animais também é por norma a sociedade que melhor trata os seus cidadãos - um caso exemplar é o da China, que resolve o problema dos cães vadios à paulada e o problema dos desvios legais à bala.

The New York Times | Telling tales out of school, on You Tube Imaginem que perdiam a paciência numa aula - algo que até acontece com alguma frequência. Agora imaginem que eram sub-reptíciamente filmados - o que até já acontece. Agora imaginem que o filmezinho do vosso ataque de fúria perante as sevícias das criancinhas aparecia online, no You Tube, o site de videos mais visitado da internet...

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

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Ajuda precisa-se para identificar esta criatura.

Leituras

Strange Maps Um blog sobre... mapas. Mas não os mapas habituais. Encontram aqui mapas politico-demagógicos, mapas-propaganda, mapas de terras inexistentes, mapas de curiosidades históricas.

BBC | Smart homes a reality in South Korea Abençoados tempos em que vivemos, em que o futuro parece coisa do passado. As famosas casas inteligentes, ainda um brinquedo raro ou mera curiosidade tecno-arquitectónica, já se estão a banalizar na Coreia do Sul. Com um toque no telemóvel ou uma dedada num ecrã sensível ao toque tudo é controlável e ajustável. Só falta a casa limpar-se sózinha, ou, como numas fabulosas ilustrações dos anos 50 publicadas na Popular Mechanics, bastando uma mangueirada para que toda a sujidade se dissolvesse, bem como aos objectos que se sujam no dia a dia - adeus aos pratos de porcelana, bem-vindos ao mundo dos descartáveis.

Pelo estado das nossas lixeiras e do nosso ambiente, os sonhos dos anos 50 poderão não ter sido realizados ao pormenor, mas o essencial foi realizado.

Guardian | Is this what the final frontier has become? A golf course? Indignações às voltas com a proeza publicitária que colocou um cosmonauta russo a jogar golfe em órbita para um anuncio a uma marca de equipamentos para este desporto. Não foi um momento alto da história da exploração espacial, mas uma coisa é certa: a exploração espacial custa caro, e os dinheiros para a financiar podem por vezes vir dos locais mais inesperados. Também torço o nariz quando vejo as viagens orbitais como o trabalho científico de muitos e as férias extravagantes de um punhado de multibilionários, ou os voos sub-orbitais como desporto radical para aventureiros de bolsos cheios. Mas a democratização do espaço tem de começar por algum lado. Devemos é nunca esquecer que o sonho de ir cada vez mais além serve para expandir as fronteiras da alma humana, não para colocar logotipos (e pizzas) em órbita.

The New York Times | U.S. finds Iraq insurgency has funds to sustain itself Um recente estudo levado a cabo por serviços secretos descobriu que aquilo que os americanos insistem em eufemísticamente chamar de insurreição iraquiana é financeiramente auto-sustentada. O financiamento para os combates vem de uma rede solta de fontes financeiras que inclui contrabando de petróleo, donativos, desvios devidos a corrupção e lucros de raptos. Fala-se numa capitalização que oscilará entre os 70 a 200 milhões de dólares por ano, com especial ênfase no patamar mais elevado. Quem sabe, dentro em pouco não veremos a insurreição iraquiana cotada na bolsa de Nova Yorque...

domingo, 26 de novembro de 2006

Átila



E lá se foi ele. O último e mais supreendente dos quatro hóspedes que tive cá por casa foi entregue a novos donos que eu espero que tratem muito bem desta fera. Confesso alguma tristeza, até mesmo uma lágrima no canto do olho, por deixar o gato partir. Lá se vão as arranhadelas e as brincadeiras com a cadela, lá se vai o ronronar debaixo das festas, lá se vai o ronronar enquanto devora a comida. Também lá se vai o limpar de tabuleiros absolutamente fedorentos e o escorraçar do bicho das proximidades dos móveis mais valiosos. Enfim, lá se foi o Átila, a fera que cá chegou a bufar e a arranhar e saiu daqui a miar e a ronronar.

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Depois da loucura consumista uma expressão pura.

Vasculhando confrontos

O dia de ontem foi passado numa profunda orgia consumista. Com o dinheiro fresquinho do subsídio de férias a fazer estranhar a conta bancária e com a antecipação dos dias agitados que antecedem o natal, convergi diligentemente até uma das catedrais do consumo e levei de enxurrada as minhas compras de natal. Despachei assim a compra de todas as prendas. Bem, de quase todas. Uma das coisas que não cessa de me surpreender neste nosso admirável mundo cheio de escolhas é a forma como não conseguimos decidir quando confrontados com tantas e tão coloridas opções que enchem as muitas montras das catedrais comerciais. Há sempre uma ou duas que ficam de foram.

Isto significa, para alguns dos leitores deste blog que têm o privilégio de me conhecer na vida real e que de quando em vez até tomam um cházinho - preto, claro - ou uma cervejinha comigo, que vão receber mais alguma tralha para encher ainda mais as casas. Excepto numa excepção, que eu creio já ter idade suficiente para ficar a ouvir Miles Davis. Mas não se apoquentem. As dimensões das tralhas são pequenas, pois estamos em ano de crise, não cometi a veleidade de vos sobrecarregar com livros que já sei que não vão ler ou com discos que vos deixam a indagar sobre se aquilo que estão a ouvir é mesmo música. São meras lembranças para comemorar o facto de termos aguentado mais um ano a aturarmo-nos uns aos outros.

Um passeio por um qualquer centro comercial presta-se a algumas curiosas observações, e ainda mais em época de orgias consumistas ostensivamente disfarçadas sob uma qualquer desculpa de comemoração. A primeira grande observação que me atingiu, quando ajoujado de sacos repousava os meus doridos ossos entre verdadeiras vagas do oceano de gente que circulava pelos corredores, é a de até que ponto as compras se tornaram a grande actividade de cultura e lazer. Chegados ao fim de semana, após uma longa semana de trabalhos e dores de cabeça, qual é o destino típico das famílias? A praia, o museu, o passeio por paisagens desconhecidas ou nem por isso, ou a obrigatória peregrinação ao centro comercial? ao fim de semana os espaços comerciais enchem-se de verdadeiros clãs que se arrastam de loja em loja, vagueando como zombies sob as luzes brilhantes da superfície comercial (uma metáfora descaradamente roubada a George Romero). A felicidade é atingida após horas passadas a deambular entre lojas e a vasculhar objectos. As pessoas vestem-se com a versão moderna do fato domingueiro e arrastam-se sob os sons alegres e o ar condicionado asfixiante.

Cá por mim nem sequer me dei ao trabalho de fazer a barba, o que suscita sempre olhares incomodados em certas lojas de aspecto mais presunçoso.

Um pormenor inquietante foi a grande quantidade de pares de mulheres que vi. Á primeira vista não parece algo inquietante (não me atirem pedras por sexismo, por favor, nem esta frase pretende ser um comentário anti-gay). O que me inquietou nesses pares femininos foi o serem constituídas por mãe e filha, e por estas serem virtualmente indistinguíveis, excepto talvez por uma rugazinha aqui ou um olhar mais cansado ali. É inquietante observar como estamos cada vez mais submissos aos padrões estéticos. Ao ver as mães que se vestiam tal como as suas filhas adolescentes, tentado capturar um pouco da juventude que sentem a escorrer pelos dedos, e ao ver as filhas adolescentes a tentar parecer mais velhas, mais adultas, mais mulheres, pensei em como nada nunca muda. As meninas sempre se quiseram parecer com mulheres, e as mulheres sempre se quiseram ver como meninas, especialmente depois de detectarem a primeira ruga ou o primeiro alvo cabelo. Mas hoje em dia, sob pressão dos media, dos interesses económicos e da omnipresente moda, esta tendência transformou-se numa epidemia. O que é que aconteceu ao envelhecer graciosamente?

Uma vez que os meus estimados amigos andam todos a aumentar o seu agregado familiar, achei que esta era uma boa altura para frequentar lojas de brinquedos. Entrei, e deslumbrei-me. Há coisas que nunca mudam.

Os velhos estereótipos dos carros para os meninos e as bonecas para as meninas continuam bem vivos, com inúmeras variações submetidas as horas de cad. Mas alguns estereótipos ainda são reforçados, como constatei pelo número assustador de cozinhas completas com serviços de pratos, talheres, fornos e até o moderno exaustor onde uma fotografia de uma alegre menina aprende sorridente a fazer o jantar ao futuro marido. Pasmei quando vi um aspiradorzinho de brincar com o logotipo de uma conhecida marca de aspiradores - um objecto que por si só se presta a autênticas teses de doutoramento sobre estereótipos, logotipos e o poder das marcas. O brinquedo mais assustador que vi para meninas foi um kit de cabeleireira - completo com pentes, dicas de maquilhagem e uns tenebrosos bustos estranhamente semelhantes às cabeças de animais empalhadas que se encontram nos pavilhões de caça.

Para rapazes a coisa não é muito diferente. Encontrei muito poucos brinquedos que não fossem violentos. O jogo violento é uma catarse, eu sei, mas não deixa de ser inquietante olhar para uma prateleira de brinquedos e ver helicópteros de combate ao lado de soldados rastejantes e de conjuntos de carros de combate. Em infinitas variantes.

Não pude deixar de observar a quantidade massiva de brinquedos que estavam associados a conteúdos televisivos. O marketing para crianças é uma máquina bem oleada e eficiente, que revela toda a sua pujança nestas alturas do ano. Para grande pena daqueles de nós que ainda acreditam que tudo não tem de ser resumido ao seu valor comercial.

A palavra inquietante já foi utilizada muitas vezes neste pequeno texto, e eu não resisto a utilizá-la mais uma vez. Sei que estou imperdoávelmente a violar as regras de estilo literário, mas confiem em mim. Tem mesmo de ser assim. Na loja de brinquedos que visitei, e de onde saí com uma surpresa que espero que muito alegre os papás e a filhinha (oops, já estou a dizer demais) encontrei algo de inimaginável: bonecas com um metro e dez centímetros de altura. Pasmei. As bonecas eram mais altas do que a altura média das crianças, vestidas e maquilhadas com o estilo jovem da moda - mini-saia e top justinho. Como não consigo conceber uma criança a brincar com uma boneca que é da sua altura (talvez num caso psicótico de isolamento extremo), pergunto-me quem é que compra aquelas bonecas de um metro e meio. Papás dispostos a provar o seu amor pelas filhas através do tamanho das prendas, ou pedófilos subreptícios que levam para casa um boneco de tamanho quase real? Terei terminado este post com uma piada de mau gosto, de humor muito negro, ou com um pensamento arrepiante?

sábado, 25 de novembro de 2006

Leituras

Café polvilhado com umas gotinhas de leite, um par de croissants diligentemente recheados de queijo mascarpone, e as leituras.

BBC | Plastic paper to cut emissions A Toshiba desenvolveu uma ideia surreal - papel de plástico, imediatamente reutilizável. Imprimie-se uma vez, utiliza-se, limpa-se, e imprime-se novamente sobre a mesma folha. Por enquanto as folhas de papel plástico - que utilizam o tetraphtalato de polietileno - permitem apenas 500 reutilizações. O objectivo é diminuir o consumo de papel, utilizando este papel para realizar impressões que não são permamentes - precisamente a maioria das impressões que se faz no dia a dia.

BBC | Hong Kong climate change threat Um think thank baseado em Hong Kong realizou um estudo sobre as consequências das alterações climatéricas a nível local e não gostou das conclusões. Sendo o delta do rio das pérolas - Hong Kong, Shenzen, Guagzhou e Macau - o coração económico e industrial da China, até pequenas variações climatéricas poderão dar origem a cheias - paralizando as manufacturas que fazem pulsar a economia da China, e do mundo (uma aplicação in extremis do princípio pensar global, agir local). Durante décadas, os cientistas e os ecologistas avisaram a humanidade sobre as consequências do desenvolvimento desenfreado, com resultados mínimos perante a escala do problema. Os governos limitaram-se a medidas quase cosméticas e o grande capital simplesmente ignorou os resultados. Agora, entram em campo os economistas, que apontam para os prejuízos financeiros das alterações climatéricas - e aí o capital levanta a orelhas, atento. Ética à parte, o que é importante é que talvez este seja o momento de viragem em que a nossa sociedade se une para combater o nosso grande desafio generacional.

Correio da Manhã | O baptismo de fogo Recorda-se aqui a figura daquele que foi o nosso Rommel, o nosso Patton, o nosso Montgomery - António de Spínola, militar até à medula, que com o seu tradicional monóculo chegou ao raro posto de marechal. Um dos pormenores mais fascinantes da sua biografia está na sua presença como observador na Frente Russa durante a II guerra. É-me difícil compreender alguém que em sã mente se ofereceu como observador junto da Wermacht em Estalinegrado, e que mais tarde veio a escrever o livro Portugal que futuro, tornando-se a figura inspiradora dos capitães de abril, e o homem no qual estes depositaram o poder em 1974.

Guardian | You'll find it on the web A televisão anda pelas ruas da amargura. Os responsáveis pelas produtoras de conteúdos esgotam os miolos em busca dos programas mais degradantes que se possam imaginar. O ponto mais baixo parecia ter sido atingido com o reality shows, mas ainda é possível descer ainda mais: a Fox, cadeia de televisão detida por Rupert Murdoch, planeou transmitir uma entrevista onde um assassino ilibado graças à perícia dos seus advogados contava como teria assassinado a sua mulher caso tivesse sido ele a assassiná-la. Perante o coro de protestos, o todo-poderoso magnata dos media foi forçado a cancelar a emissão. Mesmo assim, há um último reduto para o lixo televisivo - a internet, onde há sempre alguém que coloca online aquilo que ainda é impensável colocar na tv.

The New York Times | When beige won't do A explosão e a consolidação das novas tecnologias na nossa sociedade está a levar-nos a evoluir na forma como conceptualizamos o computador. Agora, o aspecto visual da máquina começa a ser tão importante como as suas capacidades. E já não era sem tempo. Ainda bem que aqueles caixotes cinzentos estão em vias de extinção. O design conta!

The Times | Ethiopia confronts somali warlords O corno de áfrica não prima pela estabilidade - há o problema da Somália, mergulhada há décadas na anarquia, e o constante conflito entre a Etiópia e a vizinha Eritreia. O ressurgir dos tribunais islâmicos como um poder estabilizador na Somália está a gerar um campo de batalha regional - acusando a Eritreia de armar as milícias islâmicas, a Etiópia está armar os senhores da guerra somalis e o seu governo - que o é apenas de nome. Este atirar de lenha vem apenas atiçar a fogueira numa das regiões mais quentes do planeta. Esperem, a curto prazo, mais caos e catástrofes humanitárias, desta vez sem marines a desembarcar em grande estilo dia D nas praias da Somália para as câmaras de televisão.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Dilúvio II

Acabei de descobrir através do Planeta Mafra, as imagens que Nuno Ferro fotografou durante a tarde não muito longe de onde moro. Ilustra bem o problema da Ericeira - o desmedido crescimento da vila, com a geografia e a natureza a serem mera irrelevâncias nos interesses dos construtores civis.

Cai uma chuvinha... bem, cai um dilúvio...

Dilúvio

Ericeira.com | Mais do que mau tempo no Concelho
RCM | Mau tempo: O pior já passou
Mafra Regional | Mau tempo provoca cheias e queda de árvores

A forte bátega que se fez sentir hoje provocou um verdadeiro caos aqui na região. No coração do oeste, a Lourinhã e o Bombarral ficaram semi-submersos, e em Runa e Torres Vedras temia-se o pior. A protecção civil encerrou as escolas atempadamente. Aqui por Mafra, a confusão foi menor, mais localizada. Algumas vilas ficaram sem electricidade durante todo o dia e caíram inúmeras árvores na estrada. A escola de Mafra encerrou mais cedo, quando se detectou que o temporal estava a danificar os telhados da escola. As pequenas inundações e os lençois de água sucederam-se um pouco por todo o lado. O rio Lizandro galgou as margens e submergeu a zona da Senhora do Ó. A chuva impiedosa que se abateu sobre nós provocou inúmeras inundações dentro de casas. Conduzir na estrada entre a Venda do Pinheiro e a Ericeira foi uma experiência a realizar com muito cuidado - a chuva intensa tornava a visibilidade nula, os lençois de àgua eram mais que muitos e todos os cuidados poucos. Mesmo assim, o único problema grave com que me deparei foi uma àrvore caída naquelas curvas apertadas à saída de Alcainça, mas quando lá passei a GNR já estava a controlar a situação. Aqui na Ericeira, constou-me que a zona da BP inundou, se calhar na zona da ribeira do Safarujo, que desagua na praia do Matadouro, e ao passar no Casal da Abadia, na novíssima via rápida que circunda o norte da Ericeira, constatei que a rotunda que dá acesso à Abadia estava apropriada para barcos. A situação mais caricata que me chegou aos ouvidos, via RCM, foi a inundação do novíssimo quartel da GNR na Venda do Valador.

É em momentos como este que percebemos o valor da comunicação social a nível local. Nestes momentos, a informação que prestam é imprecindível para perceber como está a situação nas localidades que nos rodeiam.

O cair da noite viu-me a limpar à força de enxada as caleiras exteriores da garagem do meu condomínio, entupidas com as terras do jardim e as ervas e os silvados dos campos ao lado do prédio onde vivo. Agruras das administrações de condomínio, onde todos dizem de sua justiça e todos estão prontos a apontar o dedo, mas onde quase ninguém ergue as mãos para ajudar quando as situações apertam.

A noite traz consigo vento, mas pouca chuva. Espero que os meus alunos tenham chegado bem a casa, apesar da confusão nas estradas à volta da Venda. Espero que esteja tudo bem em casa dos meus amigos, com toda esta bátega implacável que se abateu sobre nós.

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E ei-lo, em versão a cores.

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

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Versão 1.0. Porquê não a definitiva, se já fiz tantos destes desenhos e os deixei ficar simplesmente como estão? Vou arriscar, vou pintar esta imagem. Amanhã publico o resultado.

Leituras

BBC | Tomb reveals pre-inca city Mesmo nesta era em que tudo parece descoberto, todos os recantos explorados e já nada resta de realmente surpreendente a descobrir, ainda acontecem coisas destas: uma simples escavação num túmulo no Peru revelou um complexo de vinte tumbas, uma necrópole pré-inca que atesta o nível de desenvolvimento e a riqueza da civilização que vivia nas terras do Peru há 1000 anos atrás.

Guardian | A predatory capitalist who stifles competition and delivers mediocrity É assinalável que hoje em dia o jornalismo, mais do que um contrapeso ao poder, é um poder em si mesmo. Mas quem é que controla o jornalismo, logo os jornalistas e as notícias, logo a nossa percepção do mundo tal como ela nos chega através dos jornais, da rádio e da televisão? Um retrato avassalador de Rupert Murdoch, um gigantesco magnata das comunicações com interesses globais em todos os media - desde a Fox, dos estúdios de cinema aos canais de televisão, até ao popular MySpace. Se Hearst famosamente disse que as notícias criava-as ele, Murdoch tem nas suas mão o poder de manipular a opinião global.

Sky News | Iraq's deadliest month: 3700 killed Uma forma de resolução a médio prazo dos problemas iraquianos envolve dois cálculos matemáticos: uma média do número de mortos por mês num país que todos dizem que não está a viver uma guerra civil, seguido de um cáclulo de em quantos meses, á razão da média de mortos por mês, a população iraquiana se auto-aniquilará. Eu sei, piada de mau gosto, de muito humor negro, mas de pouca monta se comparada à piada mortal que foi a guerra no Iraque, seguida desta paz que o é apenas de nome.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

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Fragmento de um vector inacabado intitulado O Vermelho e o Negro - mais a pensar em stendhal do que em De Sade.

Leituras

BBC | Microsoft eyes office switch test Aproxima-se junto com o Vista o lançamento do Office 2007, a nova versão da suite de aplicações tão ubíqua nos nossos computadores. A microsoft, numa daquelas medidas típicas do império do mal, anda a tentar descortinar estratégias que obriguem os consumidores a mudar de versão do office - infelizmente, não nos podem obrigar a comprar uma nova versão.

BBC | States sign nuclear energy pact Foi ontem assinado em Paris o acordo que permite o início da construção do reactor de fusão nuclear experimental do ITER - o segundo maior programa de colaboração científica mundial (o primeiro é a estação espacial). O objectivo do ITER é gerar energia nuclear limpa, com um processo similar à fusão atómica nas estrelas - uma promessa de energia nuclear limpa e quase ilimitada, infelizmente apenas possível a muito longo prazo.

Guardian | Husband and wives Os mormons mais radicais ainda praticam a poligamia. Um relato interessante nas profundezas do obscurantismo religioso.

Origami

Assistir a qualquer reunião de conselho de turma é sempre uma experiência que nos retira a fé nas gerações futuras. Enfim, são as agruras da luta entre gerações. Os alunos são sempre uns malandros desatentos que não se dão ao trabalho de estudar. E, nalguns casos, até é verdade. Mas não vou aqui discutir os entremeios destas reuniões - até porque nem posso: não só não desejo ofender ninguém, pois tenho a certeza que se a grande maioria dos professores se queixa dos alunos é porque está a trabalhar com total seriedade, como também se aplicam óbvias regras de confidencialidade. Mas não resisto a contar esta: queixava-se uma das professoras de que a turma se portava tão mal que até tinha apanhado uma das melhores alunas a passar uma aula a fazer aviões e passarocos de papel. Passarocos de papel? Levantei as orelhas. Que passarocos? Dobrados em papel? Eram desses.

Não reprimi uma gargalhada. Ando a ensinar origami aos meus alunos, como um trabalho de natal em que eles têm de criar pássaros em origami. Fiquei contente: já andava desesperado com a inabilidade daquela turma nos origamis...

terça-feira, 21 de novembro de 2006

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Hoje só uma imagenzinha. Ele há dias em que os dias cinzentos de inverno nos pesam especialmente na alma.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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Porque nem só de gatos vive um desenho. Outro ornitorrinco.

Parabéns!

O dia começa com um grande abraço de parabéns a uma boa amiga. É verdade, estás mais velha e mais sensata, mas então e depois? Isso é algum impedimento? Um grande abraço, e agora ergo apenas uma chávena de chá - preto para mim, limão para ti, porque logo erguerei algo mais potente à tua saúde.

Sem comentários.



Comentários? Querem comentários? Onde é que vai parar este mundo, quando um cão já não persegue com as suas dentuças diabólicas e latidos capazes de acordar um morto um gato de garras afiadas e espírito provocador?

(estou para aqui a escrever isto enquanto eles me demolem a casa com as brincadeiras.)

Leituras

The New York Times | Cellphones as trackers: X marks your doubts Parece uma excelente ideia, obviamente: emparelhando um telemóvel com um receptor de gps, abrem-se novas aplicações. Em caso de emergência, o telemóvel poderia indicar imediatamente a localização do acidente. E os publicitários salivam com os lucros em perspectiva por um novo negócio: a transmissão de anúncios e alertas para telemóveis de acordo com a sua localização física e o perfil do utilizador. Só existe um pequeno entrave a este admirável mundo novo: aquela mania irritante que as pessoas têm de querer proteger a sua privacidade. Vai daí, as empresas de telecomunicações decidiram-se a uma estratégia de longo prazo: vendem os telemóveis com gps aos adolescentes, sob o pretexto de facilitar as interacções sociais, habituando-os à omnipresência da localização total. Os humanos adaptam-se. Tal como hoje em dia não pensamos na nossa privacidade quando estamos a ser perscrutados pelas omnipresentes câmaras de video, também no futuro não nos preocuparemos com a facilidade com que poderemos ser localizados.

The New York Times | A troubled river mirrors China's path to modernity O crescimento alucinante que a China vive, com a consequente turbulência social, encontra-se perfeitamente reflectida no curso do rio Amarelo, o grande curso de àgua chinês, ladeado por nómadas que vivem vidas de constância milenar e faraónicos empreendimentos comerciais.

Correio da Manhã | A banca tem práticas inaceitáveis Em nome da igualdade, o governo abriu guerra aos inúmeros pequenos truques que os bancos utilizam para espremer o máximo dos nossos magros cêntimos, propiciando os seus astronómicos lucros. Enfim, finalmente que este governo socialista age como um governo socialista...

Sete Anos no Tibete



Wikipedia | Heirich Harrer
Edições ASA | Sete Anos no Tibete


A literatura de viagens é um velho vício inconfessado. Incapaz de visitar os recantos mais recônditos do planeta, e sem vontade de percorrer circuitos turísticos repletos de visões pré-programadas, refugiei-me nas palavras daqueles que ainda arriscam viajar sem rede para capturar para a minha alma um pouco daquele espírito de descoberta e aventura que caracteriza uma viagem. Invejo e admiro aqueles que partem, de mochila às costas, armados com a sua curiosidade, prontos a desbravar o desconhecido. Tempos houve em que raros eram os que partiam à aventura, e tempos houve em que a descoberta dos recantos obscuros, dos lugares brancos do mapa onde se dizia que havia dragões, inspirou a humanidade com os relatos das aventuras nas selvas mais profundas. Marco Polo e as suas viagens, os périplos dos navegadores portugueses, as gestas dos mercadores que percorriam a rota da seda, unindo ocidente e oriente, Cook e as suas viagens de exploração científica, os relatos obscuros de um certo Hanão, fenício do qual se dizia que havia ultrapassado as colunas de Hércules e navegado até às brumas do que hoje são as ilhas britânicas, as aventuras exóticas dos exploradores africanos que carregavam o white man's burden até às profundezas das selvas da darkest africa, Cheng-ho, almirante chinês cujas frotas desbravaram o índico. Magalhães a circum-navegar o planeta e os caçadores de peles a penetrarem nas profundezas do novo mundo. Lewis e Clarke a descobrirem as grandes planícies e as alterosas ondas do pacífico. A maravilhosa banalidade das carreiras comerciais das companhias das índias, da carreira do pacífico, da carreira das índias, da rota do ouro das caraíbas. Afonso de Albuquerque guerreando e desbravando as Índias. A história está repleta de relatos apaixonantes de viagens impossíveis, em que cada novo passo é uma descoberta, cada novo olhar uma nova visão sobre paisagens até então desconhecidas.

Uma boa medida do fascínio da humanidade pelos périplos em terras incógnitas está na popularidade da Odisseia, talvez o mais arcaico texto de literatura de viagens.

Doctor Livingstone, I presume? Se estas frases não nos fizerem sonhar, então é porque perdemos algo da nossa humanidade neste mundo contemporâneo onde o planeta está ao alcance de uns cliques no rato, e as maravilhas dos satélites nos permitem perscrutar as ilhotas esquecidas, os desertos escondidos e as cidades de grande fama.

Entrando no campo da literatura de viagens, há livros que saltam imediatamente à minha memória, de tão marcantes que foram para o meu espírito. Anatomia da Errância e Na Patagónia de Bruce Chatwin, O Velho Nilo, de Stanley Stewart, Patagónia Express de Luís Sepúlveda, ou Terra Incógnita de Sarah Wheeler, foram livros que me marcaram pela descoberta de novas paisagens e pelas sublimes descrições da emoção do movimento por terras estranhas. Mas estes são livros escritos por escritores profissionais, que se fizeram à estrada, ao barco e ao avião com a intenção expressa de ir. Outros livros há em que a intenção não era a da pura viagem, em que os narradores partiram das suas terras em missão de descoberta ou em simples viagens, mas em que as voltas do mundo os fizeram viver aventuras inesquecíveis. Vêm-me à memória A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto pelas terras de um oriente exótico e perigoso, ou Os Sete Pilares da Sabedoria de T. E. Lawrence, o famoso Lawrence da Arábia, guerreando os exércitos turcos nas dunas do profundo deserto arábico. E, claro, este Sete Anos no Tibete.

Quando um livro é adaptado ao cinema, algo se perde. O ritmo das imagens em movimento não é o mesmo ritmo das palavras. A necessidade de contextualizar o que se vê obriga muitas vezes ao deturpar das palavras originais. Quando vi o filme, fiquei supreendido pela sua mediocridade. Talvez a única virtude do filme esteja no alerta que faz para a história de um povo que vive há décadas debaixo do jugo chinês, numa ocupação ilegal que as grandes potências preferem ignorar. Trata-se da China, gargantuesca economia dos negócios homónimos, e perante as perspectivas de lucros astronómicos, o que interessam os destinos de um qualquer povo que habita as montanhas do planalto no topo do mundo?

O primeiro pormenor que me atraiu na leitura deste Sete Anos no Tibete é a sua prosa. Heinrich Harrer, o seu autor, claramente não é um escritor em busca das melhores metáforas. Harrer limita-se apenas a descrever a sua odisseia de prisioneiro de guerra na Índia a tutor do adolescente Dalai Lama, em frases curtas, objectivas e por vezes um pouco secas. Não há grandes filosofias neste livro, nem longas considerações sobre as diferenças entre os povos. A riqueza deste livro está no próprio relato das aventuras e desventuras de Harrer e dos seus companheiros de viagem, bem como da sua vida quotidiana, bastante banal se não pelo facto de ser em Lhasa, entre os tibetanos. Secamente, Harrer transporta-nos à grandeza das paisagens dos Himalaias e descreve uma sociedade fechada, muito própria, nas vésperas de ser arrasada pelo Exército Vermelho. Preciosas são também as descrições da sua convivência íntima com um curioso adolescente que era nada menos do que o Dala Lama, líder religioso dos tibetanos, e que ainda hoje surpreende por ser o menos dogmático dos líderes religiosos.

Sete Anos no Tibete é uma daquelas obras preciosas, em que observamos novos mundos através dos olhos de quem os descobriu. Nestes tempos em que com o mínimo esforço podemos perscrutar terras distantes, outros mundos inclusivé, apenas nos restam estes relatos para nos transmitirem um pouco daquela sensação indescritível que é a de levantar o véu sobre o desconhecido.

domingo, 19 de novembro de 2006

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A cadela, sempre com ar feroz. Não está muito bom, mas sempre foi uma boa maneira de practicar transparências no Corel.

Leituras

BBC | Astronauts gear up for space mission É já em Dezembro que está prevista mais uma descolagem de um vai-vém, desta vez o Discovery, em missão à ISS. A três semanas da data prevista do lançamento, os astronautas, entre os quais se encontra o europeu Christer Fuglesang, preparam-se afincadamente para que a missão decorra suavemente.

Guardian | Is a wind turbine worth the risk? Crónicas das fronteiras da ecologia: como conciliar o nosso modo de vida com as necessidades ambientais?

The New York Times | Too many chinese cars, too few chinese buyers. So far. Este ano, o mercado automóvel chinês crescerá até se tornar o segundo maior do mundo. Perante a perspectiva de lucros astronómicos com pouco investimento, os grandes contrutores automóveis correm a construir linhas de montagem na china. A juntar a todos estes veículos, ainda há que contar com as empresas automóveis chinesas, que começam a olhar para outros mercados que não o local. Um exemplo: os famosos taxis londrinos vão passar a ser construídos em Xangai.

The Times | Iraq war "pretty much a disaster", Blair concedes Bem, haverá alguém que ainda não tenha percebido que o Iraque mergulhou no caos? Os próprios líderes que afirmam o contrário sabem precisamente como é a situação do país.

Sky News | Bionic wasps plan to fight terror Os militares israelitas buscam novas soluções o rescaldo da derrota israelita no Líbano - não foi exactamente uma derrota, mas também não foi uma vitória, e no fundo quem sofreu foi o povo libanês, que enfrenta uma àrdua tarefa de reconstrução do seu país arrasado. Mais específicamente, procuram aplicações da nanotecnologia nos campos de batalha.

sábado, 18 de novembro de 2006

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Vectorizado no Corel, depois trabalhado com formas e transparências. Não ficou muito mau.

O regresso das múmias



Return From The Dead, editado por David Stuart Davies, Wordsworth, 2004

Return From The Dead
Wikipedia | Arthur Conan Doyle
Wikipedia | Bram Stoker
Wikipedia | Edgar Allan Poe

O grande valor das antologias está na forma como diferentes autores abordam os mesmos temas. No campo da fantasia e ficção científica, as antologias são muitas vezes utilizadas para dar voz a novos autores, em volumes que coligem os seus contos com os contos de autores mais consagrados. É algo que está institucionalizado em obras como The Year's Best SF, editado anualmente. Mas estou a divergir.

O antigo Egipto, essa civilização de monumentos milenares e deuses misteriosos que se oculta sobre as areias que ladeiam as margens do Nilo, ainda hoje nos desperta a curiosidade e excita a imaginação. Lembro-me de ler algures um editor contar que bastava colocar uma imagem egípcia na capa da revista que editava (curiosamente, a Cahiers de Science et Vie) para assegurar um aumento nas vendas. As viagens ao Egipto não dispensam um périplo pelas grandes ruínas da antiguidade egípcia. Ou, para ser mais preciso, do país de Khem, nome que os antigos egípcios se davam a si próprios e que ainda hoje sobrevive na palavra alquimia. Luxor, Abydos, Karnak, Abu Simbel são nomes que nos despertam visões exóticas de ruínas sob o sol abrasador do deserto. As pirâmides, hoje transformadas num subúrbio do sprawl urbano do Cairo, ainda exercem o seu fascínio como gigantes monumentos mortuários. É sempre bom não esquecer que do alto das suas pedras, quarenta séculos nos contemplam.

A pedra basilar da sociedade egípcia era a sua crença numa vida para além da morte - crença que se reflectiu e alimentou numa rica mitologia, e crença que gerou o grande legado do antigo egipto para o futuro - os grandes túmulos egípcios, repletos de tesouros e imagens fascinantes que nos revelam a vida de há milénios, que nos fazem vislumbrar vidas esquecidas e espernças esfumadas sob o sol ardente.

A sua crença inabalável na vida além da morte fez os egípcios antigos desenvolverem as técnicas de mumificação, numa tentativa de preservar o corpo para a vida futura. Graças às múmias, podemos hoje contemplar o rosto dos antigos egípcios. E podemos também sonhar com estranhos mistérios, ligados à imortalidade, ao poder dos deuses do antigo egipto, e às acções tenebrosas de múmias reanimadas. Não é um tema que surga muito, nesta era mais contemporânea, graças à sobre-exploração do muito das múmias em míriades de filmes de série B, mas era um tema que galvanizava os escritores vitorianos. Estes, vivendo numa era em que as luzes da ciência começavam a iluminar o mundo, ficaram fascinados com os mistérios decifrados pela recente disciplina de egiptologia, assente num trabalho de escolástica aventureira num destino exótico. Mas não só o fascínio pela antiguidade inspirou estes escritores. A era vitoriana foi também o momento em que a era industrial ganhou raízes, dando origem à idade das máquinas. Os homens, sempre tão amantes de metáforas que nos ajudem a compreender a natureza, começaram a olhar para o mundo e para o seu corpo como uma imensa máquina, um intricado mecanismo que com a correcta aplicação de energia se animava. A recém-descoberta electricidade, cujas propriedades ainda estavam a ser exploradas, propiciava, acreditava-se, a reanimação de corpos mortos. Um pouco como mudar a bateria.

Return From The Dead reúne cinco contos de autores do final do século XIX que exploraram de diferentes formas o fascínio com os mistérios das múmias. Sobre The Jewel of the Seven Stars de Bram Stoker já falei mais alongadaemnte. Outro dos contos contidos no livro, The Mummy de Jane Webb, é uma obra perfeitamente dispensável, que mescla má ficção científica e um profundo desconhecimento sobre o antigo egipto num conto sobre a reanimação da múmia de Cheops. Na colectânea não podia faltar o jocoso Some Words With A Mummy de Edgar Allan Poe, que é mais sobre o nosso orgulho desmesurado naquilo que sabemos e a eterna descoberta que nos falta aprender muito mais sobre o mundo que nos rodeia.

Arthur Conan Doyle, hoje recordado pela criação do personagem imortal que é Sherlock Holmes, o inimitável detective, foi também um escritor de aventuras fantásticas. Outro dos seus personagens, o Professor Challenger, viveu inúmeras aventuras no planalto pré-histórico de O Mundo Perdido, e Conan Doyle também escreveu sobre temas mais tenebrosos. Dois desses seus contos, que lidam directamente com múmias.

Em The Ring of Thoth, um académico britânico adormece em pleno Louvre, cansado das suas pesquisas em velhos papiros, e ao acordar vê desenrolar-se o final de uma triste história de amor milenar, iniciada no antigo egipto e que chega ao triste fim graças a uma substância oculta no anel de Thoth, por sua vez escondido entre os panos da múmia de uma mulher. A substância continha um antídoto ao elixir da longa vida criado por Sosra, sábio egípcio condenado a uma vida eterna e que nada mais deseja do que reunir-se ao espírito da sua amada. Para o fazer, introduz-se como empregado da limpeza no Louvre, que alberga a múmia da sua amada, e perante os olhos de John Vansittart Smith encontra, finalmente, a paz da morte nos braços da sua amada.

O outro conto de Arthur Conan Doyle é o frígido Lot no. 49. Passada entre os estudantes de Oxford, centra-se em Abercrombie Smith, um atinado e cauteloso estudante, forçado a agir violentamente contra outro estudante, Edward Bellingham, cujo estudo dos mistérios do antigo egipto o leva a descobrir o segredo que permite reanimar uma múmia que, perfeito doppelganger, assassina os rivais de Bellingham.

Return From The Dead colige um conjunto de contos interessantes (excepto um) à volta do tema das múmias. A exploração da iconografia da múmia como monstro em inúmeros filmes retirou-lhe a credibilidade aterrorizante. A múmia tornou-se um daqueles ícones pop do terror, que ao contrário de Drácula ou do monstro de Frankenstein, perdeu por completo a aura de horror. Este livrinho relembra-nos os contos que inspiraram os filmes, e que deram origem ao mito da múmia enquanto monstro desencadeador de momentos de terror.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Um Átila



Ah, já me esquecia - o nome da fera é Átila. Acreditem que quando o conheci o nome aplicava-se. Olhar para ele era ver uma fera a soprar, a rosnar, a tentar morder e a atacar com as garras afiadas. Tentar tocar nele era arriscar sérios e profundos arranhões. Agora? Ronrona quando lhe toco. E encontrou utilidade para uma daquelas tralhas inúteis que as mulheres são exímias em adquirir. Supostamente o objecto é um candelabro, mas o gato percebeu muito bem que aquilo é um brinquedo para gatos em ferro forjado.

Leituras

Guardian | Here are two signs of hope for the world's secret superpower Tempos houve em que o jornalismo funcionava como contra-poder, atento aos desmandos dos poderes tradicionais. Hoje, os media são o verdadeiro poder - e controlar os media, seja de que forma for, cada vez mais vital. As questões que isto levanta sobre a ideia de liberdade, sobre a nossa sociedade e sobre ética são enormes.

TSF | Alunos manifestam-se frente ao ministério Ontem eu, como todos os professores e pais deste país, fui perfeitamente surpreendido pela greve nacional organizada pelos alunos. A princípio fiquei desconcertado, em seguida entraram em acção os meus instintos de director de turma - pensei em arrastar os meus alunos para dentro da escola, mas felizmente parei para pensar - se insisto tanto em que os alunos cumpram os seus deveres e afirmem os seus direitos, como poderia eu interferir numa expressão tão incisiva das suas vontades? A dimensão nacional do protesto surpreendeu-me, bem como a forma como foi organizado e o seu secretismo - ninguém estava à espera disto. Claro que a nossa infevável ministra, humilhada com o coro de protestos de professores e alunos, logo pegou na sugestão de que os alunos tinham sido instrumentalizados pelos professores. Hmmm, certo. Se isso a deixa mais feliz...

O que é certo é que arranjei tema fértil para explorar nas aulas de formação cívica. Direitos cívicos e sua defesa. E esta geração surpreendeu pelas suas capacidades ocultas. Claro que a maior parte, ao regressar a casa, deve ter ouvido o sermão do século e levado o castigo do milénio, mas enfim, lutar pelos direitos tem o seu preço.


The New York Times | Signing in as human Por estranho que pareça, aquelas letras aleatórias que apareçem sempre que num site temos que certificar o nosso acesso têm um nome - são as captcha - Completely Automated Public Turing Test to Tell Humans Apart.

Monsterbrains Blog sobre as mais brilhantes iconografias de monstros. A ler, digo, ver.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

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Hoje, neste dia em que o frio mordia a pele, estou mais dedicado aos felinos. Um esboço, ainda incerto sobre até onde irá.

Leituras

Correio da Manhã | Torres Vedras: parquímetros em toda a cidade Desesperada com o caos que é o estacionamento na cidade de Torres Vedras, a edilidade local decidiu estender parquímetros a toda a cidade, numa tentativa de controlar a falta de civismo dos automobilistas. Compreende-se a decisão: quem conhece Torres, sabe que é uma cidade amiga dos pedestres, onde é um prazer passear. Mesmo assim, o trânsito caótico no centro de Torres é notório: os automóveis chegam a estar estacionados em segunda e terceira fila, numa clara afirmação do bom sentimento português expresso nas palavras "se posso ir a pé, porque não ir de carro?"

Guardian | Why stop the great satan? He's driving himself to hell Três anos depois dos discursos vitoriosos dos Estados Unidos e da Grã Bretanha sobre o Iraque, a única certeza no meio daquele sangrento e caótico atoleiro é que o Irão, sem se mexer, se tornou a maior potência da região - precisamente aquilo que Washington queria evitar. Entretanto, enquanto duram os jogos políticos, sofre o povo iraquiano, mergulhado no caos da violência sectária sem sentido, a que todos teimam em não chamar de guerra civil.

The Times | Forests begin to revive as global devastation of trees is reversed Uma boa notícia: apesar do Brasil e da Indonésia ainda estarem a reduzir as suas àreas florestais, e da China apresentar estabilidade, na América e na Europa as àreas florestais aumentaram.

Os hóspedes



Dos quatro hóspedes felinos que me ocuparam o atelier com garras afiadas apenas me resta este. Os outros já estão devidamente entregues a donos que, devidamente, os irão estragar com mimos. Consta até que um dos felinos terá direito a um castelo só para si.

E só me resta este, o mais assanhado, o mais feroz, aquele que bufa e ataca sempre que alguém se aproxima. Infelizmente para a reputação dele, ontem aconteceu algo de maravilhoso: ganhei coragem, e larguei a fera no meu hall de entrada - o local da minha casa onde o animal tem menos hipóteses para se esconder. Esperei uns momentos, e fui observá-lo. Trepava alegremente em cima das grades da gaiola que lhe serve de cesto improvisado. Aproximei-me, insisti numa festa mesmo com o perigo dos dentes e das garras afiadas e... quando dei por mim, estava o animal todo feliz, a acariciar-se nas minhas mãos, a ronronar.

Em seguida, arrisquei um passo mais arriscado - deixei a cadela ir ter com o gatinho. Ora, para quem a conhece, a cadela é meio palmo de ferocidade - e tenho algumas cicatrizes que o comprovam. Temi o pior - uma cadela a ganir, cheia de arranhadelas, e um gato desfeito, com os seus restos mortais espalhados pela casa. Mas nada disso aconteceu. Desconcertada com as diabruras e os miados de coisa tão pequena, a cadela limitou-se a cheirar, vigilante, enquanto o gato ganhava confiança suficiente para... se roçar na cadela, a ronronar.

Em suma, o gato aprendeu, com pouco esforço, que nós não somos ameaça. Está domesticado, o que significa também que está sem defesas. Preciso mesmo de encontrar um dono para o animal, pois qualquer outra solução seria um acto de crueldade. E quanto às capacidades intelectuais do animal, posso dizer com propriedade que superam as dos meus alunos. Em dois dias, aprendeu a comportar-se.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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Ornitorrinco, primeira versão. Mais peluda e menos psicadélica.

The Jewel of the Seven Stars

Gutenberg | The Jewel of the Seven Stars
Wikipédia | Bram Stoker

Bram Stoker alcançou a fama e a fuga ao esquecimento literário graças à genia criação do conde vampírico que espalha a sua imortalidade como um vírus, Drácula, que ainda hoje é uma das personagens mais influentes nos géneros de terror e até mesmo na generalidade da cultura pop. Mas Stoker não se limitou ao fenomenal romance que é Drácula. A sua carreira literária, dedicada ao horror, inclui múltiplas obras, hoje já um pouco esquecidas, onde Stoker explora diferentes visões vitorianas do terror.

Desde sempre que o antigo Egipto desperta sonhos exóticos e aguça o interesse por mistérios obscuros. Mesmo nós, que vivemos numa época em que tudo parece descoberto, em que todas as pedras de todos os recantos obscuros do planeta já foram reviradas por hordes de cientistas apostados em descodificar as chaves do mundo, ainda continuamos a sentir um fascínio muito especial pelos saberes, pela arte e pelas ruínas de um império milenar do qual apenas restam os vestígios cobertos pelas areias do deserto. Se é assim agora, mais o era na época vitoriana, em que as luzes do conhecimento começavam a iluminar os recantos não identificados no mapa. Foi a época das viagens épicas ao interior da mais negra áfrica, foi a época em que a ciência e a indústria começaram a alterar radicalmente a nossa civilização. E, no meio de tudo isto, no Egipto convergiam interesses coloniais e científicos, com uma sociedade curiosa no decifrar dos conhecimentos esquecidos ocultos pelos hieroglifos.

O virar de século foi a era do fascínio das coisas egípcias. Foi a era em que a imaginação vibrava, sonhando com os mistérios ocultos sob as tumbas, com os terrores despertados pelas maldições das múmias. Este ideário sugeriu inúmeras obras literárias, que legaram ao mundo a ideia de uma múmia animada, ressuscitada, como personagem de horror. Este foi um iderário repetido exaustivamente pelo cinema, que cristalizou a iconografia da múmia a partir do lendário filme The Mummy, com Boris Karloff a dar toda a dimensão ao personagem e a influenciar visões futuras (filme homenageado por Stephen Sommers nos dois aventurosos filmes em que recupera a mitologia das múmias).

The Jewel of the Seven Stars é o conto de Bram Stoker que inspirou directamente o filme The Mummy - o dos anos 30, não os recentes. Seria difícil estabelecer paralelos exactos, pois as histórias divergem, mas o espírito mantém-se. The Jewel of the Seven Stars conta-nos as desventuras dos Trelawny, pai e filha. Trelawny é um genial egiptólogo, mergulhado nas profundezas dos mistérios egípcios, que busca uma solução para o mistério da morte. Tendo explorado a tumba de Tera, uma maldita rainha egipcia, Trelawny busca a solução para a maldição mortífera que parece rodear a múmia de Tera. Ao contrário das múmias tradicionais, esta parece viva, como que adormecida, a aguardar um despertar. O mistério desta múmia cujas mãos têm sete dedos cujo espírito parece reencarnar no de Margaret, filha de Trelawny, e de uma misteriosa joia de sete pedras preciosas dispostas como uma constelação de estrelas culmina numa malfadada tentativa de reanimação da múmia, que tem dois finais alternativos: no original, apenas o narrador, um advogado enamorado de Margaret que a ajuda nos dias difíceis em que o seu pai adoeçe com uma doença misteriosa, sobrevive, mas um final tão tenebroso não agradou aos leitores da época, forçando Stoker a reescrever o final de uma forma mais cor-de-rosa.

Stoker desenvolveu o enredo de forma brilhante, através de capítulos intrigantes que nos deixam sempre em suspenso para o capítulo seguinte (que é, no fundo, a tão usada e abusada técnica dos cliffhangers). The Jewel of the Seven Stars talvez não tenha ganho o reconhecimento que Drácula teve. Mas merece ser lida, para voltar a sentir aquele arrepio provocado pelos tenebrosos mistérios do antigo egipto.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

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Um ornitorrinco camuflado.

Leituras (e não só)

Fórum Fantástico 2006 | Programa Começa já esta quinta-feira o único evento em portugal destinado aos fãs de FC e fantasia - o Fórum Fantástico. O programa promete, com a presença de autores de FC portugueses e estrangeiros, com muitos lançamentos de livros do género (mesmo a tempo do subsídio de natal...) O Fórum decorrerá entre o auditório do IPJ no Parque das Nações e a biblioteca municipal Orlando Ribeiro, em Telheiras. O programa está disponível no link.

E, claro, os parabéns aos organizadores deste evento único em portugal!

Jacob Sudol | Mp3 Blog #37: Radulescu, Absence, and Return No blog deste estudante de composição canadiano, está disponível para audição uma peça sublime: O quarteto de cordas nº4 de Radulescu, uma sonoridade nas fronteiras da música.

Guardian | In our angst over children we're ignoring the perils of adulthood Após séculos de pura negligência, a nossa atitude perante as crianças tornou-se super-protectora. Mas será que nos questionamos sobre que futuros adultos serão estas crianças tão protegidas de tudo o que possa ser remotamente ameaçador?

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

American Flagg



American Flagg
Wikipédia | American Flagg
Wikipédia | Howard Chaykin

Criado por Howard Chaykin para a First Comics, American Flagg foi, durante escassos doze números, o comic mais interessante dos anos oitenta.

American Flagg gira à volta das aventuras de Reuben Flagg, polícia idealista que através de meios ilegais procura restaurar uma américa devastada. O intrigante mundo de American Flagg é um futuro próximo caótico, que em 1996 entrou em colapso. Enfrentando guerras, catástrofes ambientais e desastres nucleares, o governo americano e as grandes corporações refugiaram-se na lua e em marte. Ao longo de trinta anos, foram-se transformando na Plex - um conglomerado económico com mandato governamental que rege, de facto, o território dos estados unidos a partir da base Hammarskjold, em Marte. Alicerçada em centros comerciais, os novos centros governamentais, a Plex apenas está interessada em maximizar os seus lucros e em tornar Marte auto-suficiente. Como tal, a guerra é a principal actividade económica. A população divide-se em policlubes, especializados na guerrilha urbana, e é armada e financiada pelas empresas da Plex, que em troca garantem os direitos e transmissões empolgantes para o programa de televisão mais visto na Terra, na Lua e em Marte: Urban Warfare (tm).

Os media são directamente controlados pela Plex, que apenas autoriza a emissão dos seus canais - um misto degradante de pornografia, violência e informação sensacionalista. Vivendo na pobreza, megulhados em micro-guerras sangrentas, na violência de um dia a dia sem esperanças, a população vive num clima moral hedonista. A Plex desencoraja os valores morais. Os desportos estão proibidos, e a alfabetização desencorajada. Num clima de grande promiscuidade sexual, encorajada pela Plex, o consumo desregrado de anticoncepcionais está a causar uma queda demográfica alarmante. Mas os verdadeiros objectivos da Plex consentem esta degradação: por um lado, espremer todo o rendimento possível aos habitantes da américa, e, por outro, despovoar os territórios americanos, tornando-os apetecíveis para compra por parte das novas grandes potências terrestres: o Brasil e a União Pan-Africana.

É neste complexo e violento mundo em que Flagg se move, um mundo em que o Reino Unido implodiu, tornando-se a República Popular Inglesa, em perpétua guerra com a Irlanda.

Flagg é marciano, nascido na Base de Hammarskjold (os mais perspicazes já perceberam uma referência a um antigo secretário geral das Nações Unidas) de pais pouco conformados com os padrões morais da Plex - que se encoraja e explora a promiscuidade na Terra, desencoraja-a em Marte. Rebelde, Reuben Flagg torna-se estrela de televisão, como Mark Thrust: Sex Ranger, num dos programas de maior audiência no sistema solar. Mas a fama e o estrelato apenas lhe rendem até os produtores do programa o substituirem por um holograma (se comic tivesse sido criado nos anos 90 seria um actor virtual). Sem sítio onde cair morto, Reuben junta-se aos Plexus Rangers, a força policial encarregue de manter a lei e a ordem na Terra. Flagg acaba destacado no centro comercial de Chicago, a arcologia que domina o antigo Illinois. Aí, sob comando de um ex-criminoso transformado em chefe de polícia, combate a violência insensível de sábado à noite, e após o assassínio deste, torna-se o seu herdeiro, quer dos cargos legais - chefe da Plexus de Chicago - quer dos negócios ilegais - dono da q-usa, uma estação de televisão pirata, e sócio de uma equipe de basketball pirata, em conjunto com o altamente corrupto presidente da câmara de chicago.

Para além do icónico Reuben Flagg, o comic conta com uma série de personagens fascinantes, saídas da imaginação acelarada de Howard Chaykin. O principal ajudante de Flagg é Raul, um gato ruivo e falante, com uma assinalável inteligência; Hilton Krieger, superior de Flagg, representante da lei e pirata televisivo; Amanda Krieger, pequeno génio da engenharia, que odeia o pai e é amante ocasional de Flagg; Charles Keenan Blitz, ex-criminoso e presidente da câmara de Chicago, que com um sorriso e uma mão eminentemente política tem os seus dedos em todos os negócios ilegais da cidade e anda sempre acompanhado de Bert e Ernie, os seus robots-seguranaças (se traduzir os nomes para Egas e Becas percebem a referência); Crystal Gayle Makarova, piloto auronático de origem russa e capitã de dirigiveis das Indústrias Quarto Mundo (o conglomerado que de facto rege a super-potência brasileira); Medea Blitz, filha de C. K., que evoluiu de um passado criminoso até se tornar uma fiel representante da lei; William Windsor-Jones, inglês conhecido por Bill entre os amigos, elemento de ligação com uma sociedade secreta de velhos hippies que desenvolvem programas ilegais sociais e de alfabetização e que é o herdeiro legítimo do trono inglês; Luther Ironheart, um andróide dotado de uma pouco inteligente inteligência artificial; Jules Folquet, um gigante assutador que é ao mesmo tempo um intelectual e o capitão da hiper-violenta equipe de basketball ilegal de Chicago; e Sam Luis Obispo, escroque de baixa estirpe mas de bom coração.

Com este cenário desolador e esta lista de heróis pouco recomendáveis, está visto que American Flagg não é um comic de digestão fácil, simplista e apropriado a mentes impressionáveis. Para mais, Howard Chaykin aproveitou as páginas do comic para explorar as fronteiras gráficas do género. As pranchas de American Flagg rompem com os cânones do género de uma forma ainda hoje inovadora. Gráficamente, American Flagg tem um dinamismo muito forte, cujo paralelo que me ocorre é o dinamismo dos video-clips, com toda a estética das imagens misturadas e entrecortadas.

Trabalhando numa editora independente, o criador gerou um comic irreverente, gráficamente avançado e que explorava as obsessões de Chaykin com sexo, violência e o jazz dos anos trinta (época violenta dos gangsters). Infelizmente, após doze números, Chaykin cansou-se de American Flagg e seguiu novos rumos - o revivalismo de dois heróis do panteão da DC Comics, The Shadow e Blackhawk, e a criação da perturbadora e obscena graphic novel Black Kiss. Entregue a argumentistas que não compreendiam as implicações do universo do comic, e a ilustradores que não atingiam o radicalismo visual de Chaykin, American Flagg depressa foi esquecido.

Leituras

Guardian | How can anybody justify a wedding Ou, pondo melhor a questão, como ser ambientalista ferrenho num mundo em que os comportamentos dos nossos amigos e vizinhos, dos pais dos amigos dos filhos ou das pessoas da comunidade em que se vive são ameaças ao ambiente? Mais um numa divertida (e excelente) série de crónicas sobre as divergências sociais entre ambientalistas e meros consumidores, que no fundo também são boas pessoas.

The New York Times | What's wrong with a child? Perante comportamentos menos normais das crianças, pais e professores não hesitam em pedir ajuda aos psicólogos. O resultado: verdadeiras epidemias de diagnósticos contraditórios de doenças mentais graves. O que se passará? Existirão assim tantas crianças a sofrer de depressão profunda, déficit de atenção-concentração e doença bipolar? Estaremos apenas a ser mais atentos a problemas reais? Estaremos a exagerar, classificando os comportamentos malandros normais em qualquer criança de patologias? E o bom senso, onde está?

The Times | Bag ban to save island from death by plastic As autoridades de Zanzibar, alarmadas com as consequências ambientais dos ubíquos sacos de plástico, decidiram proíbi-los por completo no seu território. Nota aos futuros arqueólogos: longos séculos após o desaparecimento da nossa civilização, os ubíquos sacos de plástico sobreviverão como testemunho das nossas façanhas. Os egícios são recordados pelas pirâmides; os gregos pela arte e pela filosofia; os romanos pelo seu império e pelo código legal. O futuro irá recordar a nossa civilização pelos sacos de plástico.

domingo, 12 de novembro de 2006

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Isto é o que acontece quando se tem pouco tempo mas muita vontade. Eu sei que a cabeça está estranha, e sei precisamente porquê: são os olhos. Para se ver os olhos naquela posição, a cabeça tem de estar de frente. Olhos de frente e cabeça e perfil - a coisa fica assim um dinossauro quase egípcio. Enfim, melhores virão.

Viagem a Tulum



Edições ASA | Viagem a Tulum

Milo Manara/Federico Fellini, Viagem a Tulum, Edições ASA, 2003

Quando se fala em Milo Manara vêm logo à mente os excessos eróticos das suas belas e elegantes heroínas. Manara distinguiu-se como um dos mestres da banda desenhada erótica, distinção em larga medida conseguida pela sua mestria no traço do corpo da mulher. Sempre fiquei embasbacado pela forma como, com uma restrição de traço quase monástica, Manara conseguia transmitir a beleza e a sensualidade do corpo feminino de forma magistral. Manara não retrata a beleza estereotipada do silicone e da vulgaridade, antes a mais rarefeita beleza idealizada da elegância pura. O campo da BD erótica, que como boa aproximação à pornografia tem sempre sucesso garantido, pulula de obras dos mais díspares autores, mas apenas o nome de Milo Manara é dito com reverência.

Fellini dispensa apresentações. Recentemente falecido, Fellini é indiscutívelmente um dos grandes realizadores do cinema italiano e mundial. A sua obra fílmica é pautada por filmes ao mesmo tempo líricos e oníricos, com os toques de surralismo jocoso que originaram o adjectivo fellínico. Autor de obras como 8 e 1/2, Amarcord ou Roma, os seus filmes são uma viagem intimista às suas recordações por vezes desconexas, cheios de poesia nostálgica que se traduz numa linguagem fílmica muito própria. Fellini é um fascínio, e os seus filmes obras apaixonantes.

Viagem a Tulum foi o filme que Fellini sempre quis realizar mas nunca conseguiu. Entrecortanto as visões místicas inspirados na filosofia de raízes pré-colombianas de Carlos Castañeda com as visões oníricas de Fellini, Viagem a Tulum desenrola-se como uma viagem iniciátia em que através do sonho e do pretexto da antiga magia tolteca mergulhamos nos mundos fabulosos que se ocultam nas profundezas da alma. Mas, como filme, nunca pegou. Este tomo de banda desenhada conta-nos, em textos introdutórios, como Viagem a Tulum nunca encontrou produtor disposto a financiar o filme (Dino de Laurentis, que mais tarde produziu o falhanço comercial mas sucesso de culto que foi Dune esteve muito perto de produzir este guião de Fellini, tendo apenas desistido por ser muito supersticioso). Fellini foi publicando o guião no Corriere della Sera, e aqui entra Manara: apaixonado confesso da obra de Fellini, propõe ao realizador ilustrar as suas visões. O resultado final está aqui, sobre a minha mesa.

Viagem a Tulum é um album de banda desenhada fascinante. O traço preciso e leve de Manara alia-se na perfeição às palavras de Fellini para criar um ambiente onírico, de uma realidade quase surreal onde parece não haver fronteira entre o sonho e o mundo. Manara mantém o corpo e o espírito do argumento, mas inicia a história com um percurso pela Cinecittá, como uma entrevista aos sonhos de um realizador que contempla um lago onde se afundam/surgem as suas ideias. Manara encontra inúmeras formas de homenagear Fellini - desde a imagem contemplativa de um sonhador apaixonante a referências explícitas ao mais famoso filme de Fellini, La Dolce Vita, com uma caótica cena de papparazis que se atropelam para ver um Marcelo Mastroianni metamorfoseado em Fellini nas ruas de Los Angeles.

Viagem a Tulum conduz-nos através da imaginação de Fellini, desde as reminiscências da Cinecittá até aos delírios inspirados na mitologia tolteca, utilizando Mastroianni, actor recorrente na filmografia de Fellini, como um alter-ego mundano e elegante do autor. É uma história de sonhos e sonhadores, de almas repletas da mais bela fantasia.

sábado, 11 de novembro de 2006

O Quarto Poder



Juan Gimenez, O Quarto Poder, ASA, 2002

Edições ASA | O Quarto Poder
Juan Gimenez

Os anos formativos são aquela época excitante de novas descobertas que medeia entre o final da adolescência e a entrada na idade adulta em que os deslumbres infantis e as rebeldias adolescentes se desvanecem, e entramos mais profundamente no mundo da cultura. As obras, e os artistas que descobrimos nessa época marcam indelévelmente os nossos gostos. Anos depois, a cultura da nossa infância comove-nos de nostalgia, e a cultura da nossa adolescência traz-nos aos lábios sorrisos envergonhados e expressões de "como é que eu alguma vez podia achar aquilo bom?"

Mas todos temos os nossos anos formativos.

Os nossos gostos maduros, as nossas preferências literárias, artísticas e musicais são profundamente influenciadas pelas nossas descobertas durante os anos formativos. O tempo passa, e a abertura de espírito refina-se ou diminui, consoante a disposição das nossas almas. Mas aquilo que nos tocou nessa época dourada nunca perde a sua aura fresca, excitante, diria mesmo radical.

Foi durante esses anos formativos que aprofundei os meus gostos por Banda Desenhada. Foi nessa época que descobri autores como Hugo Pratt ou o inefável Moebius, com ou sem parcerias com Alejandro Jodorowsky. Também foi nessa época que aprofundei o gosto pelos comics, ultrapassando os simplistas comics comerciais e descobrindo as obras fascinantes que este medium propicia.

Entre os autores de banda desenhada que descobri durante estes meus dourados anos formativos, em longas noites de conversa com amigos num sotão de Lisboa, encontra-se o argentino Juan Gimenez. Gimenez é senhor de um traço muito próprio e criador de algumas das mais fascinantes ilustrações de ficção científica. As pranchas de Gimenez são verdadeiras odes à space opera, repletas de claras imagens futuristas de estilo um pouco retro, cheias de pormenores que enchem os olhos e fascinam a mente. Fui conhecendo Gimenez em histórias curtas nas páginas da Heavy Metal (que se eu preciso de vos dizer o que é que é, é melhor passarem este texto à frente). Deslumbrei-me na revisitação que Alejandro Jodorowsky fez ao universo por si criado em conjunto com Moebius, o universo da Garagem Hermética, de onde Jodorowsky recupera a personagem violenta do Metabarão, reencarnado na saga de vários volumes que é A Casta dos Metabarões. Esta saga é brilhantemente ilustrada por um Juan Gimenez no auge da sua iconografia de ficção científica.

Para além de histórias curtas nas páginas da Heavy Metal, o único album de banda desenhada de sua total autoria que lhe conheço é O Quarto Poder. Ler esta obra é ler Gimenez no seu melhor, com um traço ilustrativo fascinante, mas também é perceber que é precisamente aí que reside a sua grande virtude. Literáriamente, O Quarto Poder é uma obra desconexa e pouco empolgante, passada num universo futuro de contornos indefinidos. A história lida com uma gerra galáctica entre duas espécies humanóides, os homens e os krommiuns (não é exactamente a melhor das escolhas de nomes). Há sugestões de corrupção, de uma guerra travada apenas para alimentar indústrias de armamento, há laivos de genocídio, há sugestões de novas armas biológicas que violam o mais profundo do ser. Mas, infelizmente, não passam de sugestões numa história tão desconexa que me é muito difícil de apresentar uma resenha.

Agora, gráficamente, O Quarto Poder é um luxo para os olhos. O traço detalhado de Gimenez suplanta largamente todas as falhas literárias, transformando esta obra numa referência que caracteriza bem o trabalho do autor. Mas para fãs menos ferrenhos que desejem ser delumbrados pela imaginação de Gimenez recomendo antes A Casta dos Metabarões.

Leituras

O No Smoking in the Skull Cave apresenta... Buck Rogers no Século XXV! Ia chorando de nostalgia.

BBC | Online scams target the wealthy A selva perigosa que é a internet é o habitat de inteligentes predadores que não têem quaisquer escrúpulos em viciar a infra-estrutura da rede em nome do lucro fácil. Spam, phishing, ataques de rede, scams e vigarices fazem parte do vocabulário online. Quando se sabe que metade do tráfego de e-mail é spam, percebe-se que estamos perante uma verdadeira epidemia.

Guardian | Five years after 9/11, I find this city of immigrants more seductive than ever Há cidades com um carisma e um fascínio especial, que nunca perdem a sua aura, independentemente das suas vicissitudes. Nova Yorque é sem dúvida a mais carismática das cidades europeias. Cinco anos depois do 11 de setembro, em que todos previam o seu urbicídio, a cidade revela-se pujante, numa verdadeira ode à urbanidade.

The New York Times | Marines get the news from an iraqi host: Rumsfelds out. Whos Rumsfeld? O curioso relato das reacções de um pelotão de soldados americanos em patrulha nas ruas do iraque, perfeitamente a leste das notícias do seu país, e com um espírito de corpo tão ferrenho que não se questionam quem os tutela. Ou tutelava. Donald Rumsfeld, notório criminoso de guerra, deixou anteontem de ser o intragável secretário de defesa do imperium norte-americano. E a imagem dele, a sair cabisbaixo do edifício onde durante anos foi mais poderoso do que um rei absoluto, é uma das imagens que alegra quem viu o mundo a ser desestabilizado pelas manigâncias destes ideólogos que chegaram ao poder na nação mais poderosa do planeta.

Correio da Manhã | Comparativo cala governo No rescaldo das greves gerais de quinta e sexta feira surgiu esta notícia: o governo está activamente a ocultar um estudo por ele encomendado à empresa de consulturia CapGemini. Porquê? O estudo compara as tabelas salariais da função pública e dos privados, e ao contrário do que é constantemente apregoado, as diferenças salariais entre a função pública e os privados apresentam clivagens... que desfavorecem sempre o sector público. A verdade, comprovada pelo estudo, é que os funcionários públicos recebem ordenados mais baixos do que os seus congéneres privados, com clivagens que chegam aos -77%.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Leituras


Há imagens que valem por mil palavras. Esta, no rescaldo das eleições no imperium americano, vale por um milhão. (via Warren Ellis)

BBC | Global climate efforts "woeful" As cada vez mais prementes questões ambientais necessitam de medidas decisivas. Mas as medidas governamentais à escala global são tímidas e ineficientes.

Correio da Manhã | Os segredos da operação vagô Nos anos cinquenta, quando Portugal vivia mergulhado em plenas trevas salazarentas, Hermínio da Palma Inácio teve uma ideia que hoje seria perfeitamente suicida: desviou um avião da TAP de Casablanca para Lisboa, voando baixo sobre o sul de Portugal e largando panfletos anti-estado novo. O Correio da Manhã recorda esta história rocambolesca que terminou bem, com um corajoso grupo anti-fascista a desviar um Super Constellation da Tap e a fugir aos radares e à perseguição de caças da força aérea portuguesa - que, clarifiquemos - ou seriam F-84 Thunderstreak, ou F-86 Sabre, nunca F-84 Sabre como vinha escrito no artigo.

Correio da Manhã | Isto para mim é um mundo novo Começou ontem na Covilhã um julgamento original: o presidente da edilidade local processou um bloguista, alegando que o seu blog difamava a augusta pessoa do presidente da câmara. Este tipo de processos, embora novos, não me surpreende. Pena é que com o passo lento e arrastado da jurisprudência o estatuto do cidadão que publica as suas opiniões num blog esteja um bocado difuso. Deixo aqui a questão: estaremos nós, bloguistas, protegidos pelas leis que garantem liberdade de expressão?

Guardian | Opium in the living room Se a religião era o ópio do povo nos tempos antigos, os novos tempos trouxeram um vício sustentado por consolas e computadores: o vício dos videojogos, o ópio dos tempos modernos. Uma reflexão, nas vésperas de lançamento de mais uma super-consola playstation.

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Um estranho entre os animais. O ornitorrinco é um fascínio de criatura.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Nem por isso

Hoje era para falar de leituras, dos artigos que me vão atravessando o radar mental. Era para falar de greves e da importância daqueles a quem damos menos importância. Era para falar dos quatro miniterroristas felinos que tomaram conta do meu atelier. Podia falar sobre um pouco de tudo, mas não vou falar de nada. Vou mas é desligar o computador, e dormir uma sesta matutando sobre ornitorrincos e contos de terror sobre múmias. Ele há dias em que o cansaço nos vence.

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E porque não, um simpático T-rex, ícone dos ícones dinossauricos?

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

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Uma variação, em homenagem a alguém que no deviant art adora gostar das minhas imagens. É uma pequena tartaruguinha... e os gatinhos? Ainda residem na casa de banho do atelier. Está difícil livrar-me deles... e confesso que quando o fizer, vou ter saudades das arranhadelas, rosnares e bufadelas com que eles me saúdam quando lhe vou deixar a comida que diligentemente devoram.

Leituras

The Times | Sandinista rebels scents victory at last Após décadas de interferência americana, o governo de esquerda da Nicarágua acabou por ceder lugar a um governo mais ao gosto de Washington. Anos depois, em eleições perfeitamente democráticas, os candidatos de esquerda estão em vantagem. Esperem durante os próximos dias comentários americanos à Nicarágua como mais um país membro do eixo do mal, quiçá uma potência nuclear, caso os candidatos de esquerda vençam as eleições.

The New York Times | Patent firm suing Palm over e-mail technology Recentemete, a Blackberry, que manufactura uns terminais móveis de culto, viu-se em risco de desaparecer. Um tribunal americano forçou-a à suspensão do serviço através de uma providência cautelar, enquanto não se apurava se a Balckberry estaria a violar uma patente detida pela NTP, uma firma especializada em patentes. Enfrentando prejuízos inimagináveis graças a ter os seus serviços suspensos no seu maior mercado, a Blackberry cedeu e pagou uma indemnização à NTP sem que alguma vez tenha sido provado que as patentes da NTP tenham sido violadas. Contente com o resultado, a NTP virou-se agora para a Palm. Estes são os perigos da nova economia, em que as ideias valem mais do que os objectos. Á partida, nada de mal com isso, mas histórias como esta mostram o lado mais obscuro da economia de ideias: empresas como a NTP, que nada produzem - especializam-se em patentear ideias e conceitos sem as desenvolver, ganhando dinheiro processando empresas que desenvolvam tecnologias que remotamente se assemelhem aos conceitos cuja patente detém. Este é um exemplo mais esotérico; poucos se importam com os destinos de uma empresa como a Palm (excepto os fãs de pdas Palm). Mas um caso mais acessível é demonstrado pela Toyota: detentora do mais eficiente sistema de automóvel híbrido, a empresa defende a sua patente e apenas acede a licenciar a sua tecnologia de formas económicamente inviáveis. O resultado: as poucas marcas de automóveis que desenvolvem veículos híbridos fazem-no com tecnologia própria - e a quantidade de veículos híbridos que se vendem e circulam muito reduzida. A questão de fundo está nas patentes: criadas para proteger os direitos inegáveis dos criadores, até que ponto é que funcionam como um travão ao progresso?

Guardian | Not all truth leads to reconciliation in Lodz Partindo da análise das novas perspectivas de uma histórica cidade polaca, este excelente artigo retrata um país, membro recente da União Europeia, que nos surpreene pela sua confiança no futuro e postura pro-activa. Um pequeno pormenor: enquanto nós, portugueses, que apesar das nossas dificuldades temos uma situação invejável pelos padrões polacos, apenas mantemos pequenos contingentes em missões internacionais, os polacos têm mais de oitenta mil homens espalhados pelo mundo em missões de paz - inclusive no Iraque, pormenor um pouco esquecido porque o seu sector, Najaf, não vive sobre a rotina de ferro e fogo dos sectores sob comando americano e britânico. Como português, vivendo num país de oportunidades mal aproveitadas e incerteza perante o futuro, não deixo de ficar apreensivo com este gigante adormecido, que saúda a Europa como a sua grande oportunidade histórica de se afirmar.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

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Este é um presente para a Sofia.

Dono precisa-se!



Precisamos de dono. Somos uns gatinhos muito queridos, novinhos e sorridentes.

Na realidade são um bocadinho ariscos e selvagens. Bufam e arranham a torto e a direito. Retirei-os ontem de dentro de um jipe que estava na garagem do meu condomínio - uma luta titânica entre cinco pessoas e quatro microscópicos gatos, e agora os bichinhos tomaram residência na casa de banho do meu atelier. São um bocadinho ariscos, mas tenho a certeza que não são algo que não amoleça com muito amor e carinho. Aqui em casa é que não ficam.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

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Parece que o frio está finalmente a chegar.

O Gato Preto



Comic Creator | Horacio Lalia
Altre anatomie argentine: i dimenticati
Edições ASA | O Gato Preto

O Gato Preto, ilustrado por Horacio Lalia, Edições ASA, 2002

O bom bibliófilo conhece bem o seu vício. O bom bibliófilo sabe perfeitamente que as melhores pérolas se encontram esquecidas no fundo das caixas e no topo das prateleiras poeirentas. O bom bibliófilo percorre diligentemente as livrarias em busca das novidades e dos seus autores favoritos, mas não consegue resistir às pechinchas, às caixas ou prateleiras cheias de livros esquecidos e empoeirados, edições antigas ou obras ignoradas que se vão encontrando por aí nas feiras de livros ou nas promoções de supermercado. O bom bibliófilo sabe o que o espera: momentos deliciosos a manusear livros sem qualquer interesse. Um profundo vasculhar entre papel amarelecido que, após portentosa luta, cede o lugar à descoberta de pequenas pérolas. É entre o cheiro a poeira dos livros em processo de alfarrábio que qualquer bom bibliófilo encontra por acaso as mais queridas pérolas da sua biblioteca. Sei bem o que digo; é ao vasculhar estes livros esquecidos, de preços convidativos para que os vendedores se livrem daquela tralha, que encontro preciosidades que de outra forma nunca encontrariam o seu lugar nas prateleiras da minha biblioteca.

Quando este O Gato Preto chegou às livrarias, provávelmente nem dei por ele. Anos depois, numa qualquer prateleira de um supermercado perto de mim, entre novelizações dos morangos açucarados e o material escolar, encontrei uma daquelas promoções destinadas a limpar armazéns. E entre o tédio de publicações muitas vezes justamente esquecidas encontrei esta preciosidade.

Diga-se de passagem que nunca é demais relembrar Edgar Allan Poe. É um autor incontornável, e indispensável na biblioteca de qualquer amante das literaturas mais obscuras. Encontrar uma obra em banda desenhada, formato europeu, a prometer um dos mais atrozes contos de Poe (atroz, não por ser um mau conto mas pela visão da negra alma humana que revela) é imaginar, mesmo antes de abrir a capa, com delírios gráficos a fazer inveja a um Dave McKean. Neste caso, o abrir do livro e o folhear das páginas deixaram-me estupefacto. A ilustração precisa de alguns dos mais fascinantes contos de Poe não era delirante. Era algo muito mais precioso, pelo menos para mim.

Os leitores mais atentos deste blog já se devem ter apercebido da minha atracção estranha pelo pulp nas suas vertentes de FC e Horror. Confesso-me absolutamente fascinado pelos filmes de série B, com a consciência plena de que são maus filmes, mas sem dúvida fascinantes. Vincent Price é uma das minhas referências, e adoro dar acolher visitas em minha casa com um i bid you welcome nos meus lábios (Bela Lugosi em Drácula, 1931). Lovecraft é um amor, Clark Ashton Smith um vício. E a minha extensa cultura visual esfuma-se sempre que deparo com ilustrações para comics pulp dos anos 50 e 60. As bandas desenhadas no estilo Tales From the Crypt são, apesar das grandes variâncias de qualidade, uma referência.

O estilo muito próprio e tenebroso dos comics de horror pulp é fascinante. Por razões económicas, estes comics tinham de ser baratos, o que inviabilizava a sua publicação a cores. Graças a isso, os autores, desenhadores-tarefeiros contratados em locais inesperados, numa espécie de globalização económica que já acontecia antes da grande globalização da nossa era contemporânea, foram forçados a desenvolver um atraente estilo realista e tenebroso, de moldes clássicos e a apostar em fortes contrastes de preto e branco. Sempre em busca de novas sensações, estes artistas apostavam em trabalhos dinâmicos e violentos, que no seu melhor captavam profundamente a essência do fascínio do horror. Se o gore da cinematografia de terror mais profunda encanta, estes comics já desbravavam este terreno sangrento antes do cinema lá ter chegado.

Décadas passadas, estes comics já estão extintos, superados pelo mercado mas adorados por uma legião de irredutíveis fãs . As reedições e as antologias rareiam, e as edições originais sobrevivem apenas graças aos esforços pouco legais de fãs dedicados que digitalizam estes comics e os disponibilizam online. Sigo regularmente alguns blogs, como o Datajunkie ou o Groovy Age of Horror, que se dedicam a dissecar mais profundamente esta época dourada do horror em comics e livros. Compreendem agora a preciosidade de uma obra como O Gato Preto?

Este livro, que reúne adaptações de contos tenebrosos do grande avô do horror, não é estritamente retirado de comics de horror vintage. Antes, a ligação aparece no seu autor, até agora para mim um perfeito desconhecido. Horacio Lalia é um argentino já com uma longa carreira, colaborador da Fleetway inglesa (que publica, entre outros títulos, o ainda referência 2000 AD) e de editores de fumetti italianos. O seu estilo é o típico estilo pulp, com planos desconcertantes, uma atenção desmesurada a pormenores, um atordoante uso dos contrastes de preto e branco e uma capacidade invejável para representar o tétrico a traços de tinta da china. O Gato Preto não reedita velhos contos de comics já desaparecidos. É antes uma homenagem à obra de Poe, pela mão de um autor que passou décadas a desenhar pesadelos para o mercado europeu. As competentes adaptações recordam contos como o Manuscrito Encontrado numa Garrafa, O Enterro Prematuro, o famosíssimo O Barril de Amontillado ou O Gato Preto que lhe dá o título. A adaptação da obra literária foi feita com um especial cuidado e grande respeito pelas histórias origiais, coisa rara neste género de obras.

Em suma, bibliófilos, amantes do pulp, fãs das trevas ou simples curiosos em busca de uma boa leitura, dediquem-se ao vasculhar. E se encontrarem esta obra de banda desenhada, dêem-lhe um lugar merecido na vossa biblioteca.

(Mais uma dica: se visitarem o blog Datajunkie, podem encontrar regularmente para download pdfs de publicações esquecidas da era de ouro do horror como a Psycho, Ghost Manor, Nightmare Tales ou Tales of Terror. Pouco legal, é certo, mas sem alternativas. E se quere saber o que é que os argentinos andavam a ler enquanto os seus ilustradores criavam obras para o mercado europeu, leiam o Arboles Muertos e Mucha Tinta. É especializado em fotonovelas de horror pulp. Fotonovelas, leram bem.)

(Por vezes deixo as coisas meio ditas. A tal "globalização" dos anos sessenta prende-se com a quantidade de artistas iberoamericanos que trabalhavam a ilustrar comics italianos, britânicos e americanos. As editoras adoravam-nos, pois traziam consigo estilos distintos e preços mais baixos do que os artisas locais. Como exemplo extremo temos o famoso personagem da bd britânica, Judge Dredd - criado pelo inglês John Wagner em parceria com o espanhol Carlos Ezquerra.)

Vampirella

"We´re going to have to do something about breasts." A small man, with a clipboard under his arm, had halted in front of the scarlet-clad Vampirella.
She said: "Beg pardon?"
"Your breasts!" shouted the little man. "They stick out much too far, too much of them shows even for these tolerant days." He pointed at Vampirellas scant costume. "We can show about this much breast on the program." He demonstrated with two fingers held apart. "And I am afraid even then they´re going to glisten. Morrie, what do you think about these breasts?"
Morrie was another small man. "Too large", he said, stopping to squint at Vampirella´s chest. "Yes, large and too shiny. The size I can cut down, and we can kill some of the glaze."
"Ah, what a declining era", sighed Pendragon, "wherein breasts are more important than magic."
"Breasts have always been more important than magic", said Vampirella."


Não resisto. Citado de Groovy Age of Horror | Vampirella Novels. Vão lá ler o resto.