quinta-feira, 18 de agosto de 2005

Os Comedores de Pérolas

João Aguiar, Os Comedores de Pérolas, Lisboa, Edições ASA, 2002

ASA | Os Comedores de Pérolas
Projecto Vercial | João Aguiar

Um jornalista e escritor numa suave crise de meia idade e a recuperar de um esgotamento chega a macau para estudar o espólio documental de Wang Wu, um notável macaense do século XIX, a expensas do neto de Wang, milionário de Hong Kong. Está o mote lançado para um curioso thriller luso, que joga com o fascínio do oriente, o sonho de macau, última província de um portugal ultramarino, ultima nesga de terra do império lusitano.

Aparentemente simples, a investigação dos arquivos do notável macaense revela segredos incómodos. A vida benemérita do chinês que se instalara em macau estava firmemente alicerçada num passado de lucrativa pirataria. O verdadeiro motivo do interesse na investigação dos arquivos do macaense é-nos revelado no final do livro: uma conta bancária em calcutá, onde estariam depositados os lucros da pirataria, com juros acumulados durante mais de um século, fortuna cobiçada pelo neto do notável, um milionário sedento de mais dinheiro e que recorre ao assassínio dos seus familiares para se assegurar que tomará posse da totalidade da fortuna. Daí a importância da investigação - no espólio documental encontram-se os nomes dos titulares da conta, cujos descentes terão a vida a prémio.

O protagonista do livro vive na perfeição o sonho do oriente. Trabalha a expensas de uma fundação luso-chinesa, cujo representate em macau é a soma de tudo o que há de mais mesquinho na alma portuguesa, vive uma aventura que lhe põe em perigo a vida, completa com bombas no carro e atentados à metralhadora, e ainda tem tempo para oscilar entre a depressão e a recuperação enquanto vivem uma aventura sexual com uma jornalista chinesa que saberá no final da história que é filha do milonário, portanto bisneta do pirata chinês do século XIX trasnformado em rico e benemérito notável macaense.

A história narrada agarra-nos, obriga-nos a continuar a leitura com aquela mistura de exotismo oriental com os mistérios de um trabalho académico que põe a descoberto segredos sujos. Belíssimos filmes já foram feitos com argumentos menos interessantes.

Fiquei supreendido por esta obra de João Aguiar, autor cuja prosa conheço das suas colunas de opinião na revista Superinteressante. As suas colunas de opinião são sempre acutilantes, uma delícia de leitura (apesar de muito mal ilustradas) e sabendo eu que Aguiar também é romancista, não perdi a oportunidade de o ler mal encontrei este livro numa feira do livro do mini-hipermercado local (que ideia tão à houellebecq, esta da feira). Fui agradávelmente surpreendido pelo livro, cuja leitura puxava, e puxava. É um daqueles livros em que as horas passam e as páginas viram-se, graças à nossa incapacidade para o pousar e à nossa extrema curiosidade sobre o que irá acontecer a seguir. Resultado desta leitura? Muita vontade de conhecer mais da obra de João Aguiar.

Uma curiosidade do livro é a referência a um obscuro gabinete do governo português em macau, que graças aos arcaísmos da língua portuguesa do século XIX tinha o sugestivo e delicioso nome de Gabinete para os Assuntos Sínicos. Sínicos, não cínicos. Percebem o trocadilho possível, e a graça do nome? Sínicos de Chineses, não cínicos de, enfim, cinismo.