Mostrar mensagens com a etiqueta Música. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Música. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Polytope 2022

 









Este ano comemora-se o centenário de Xenakis, e como parte das comemorações a Fundação Gulbenkian organizou uma exposição (ainda não visitei, mas está na lista de afazeres) e alguns concertos. Quanto vi este Polytope online, fui logo à caça de bilhetes, mas o site da fundação dava-o como esgotado. Triste, deixei a ideia de parte, fui à minha vida. E, por acaso, decidi dar um salto a Lisboa na tarde de dia 2, aproveitar para um cinema, compras de natal, e visitar a exposição dedicada aos Faraós (e, por extensão, às iconografias do antigo Egipto) que está na Gulbenkian. Na bilheteira para o museu, vi anunciados os concertos Polytope, e pensei, bem, porque não perguntar se ainda há billhetes? Pode ser que tenha sorte... e fui brindado, pelo funcionário, com um "temos um único bilhete disponível". Nem hesitei.

@archizer0 nu/thing, ExperienS, Ircam, centenário de Xenakis na Gulbenkian. #xenakis #gulbenkian ♬ som original - Artur Coelho

Podem espreitar alguns excertos do evento, que era imperdível. A peça Polytope de Cluny de Xenakis numa nova interpretação com design de luz e laser. Foi uma experiência assombrosa. A reconstituição da peça, bem como todo o design de arte digital, resultou da colaboração dos grupos nu/thing, ExperiensS e investigadores musicólogos do IRCAM.





Polytope não se esgotou com o revisitar de Xenakis, o programa incluía uma composição mais recente do ensemble nu/thing, também  uma excelente experiência de combinação de sonoridades contemporâneas com as possibilidades do controle digital de lasers e luzes estroboscópicas. A sonoridade era bem mais suave e acessível da que a de Xenakis (convenhamos, não é dos compositores mais fáceis de escutar). 


@archizer0 Música contemporânea. #gulbenkian #music ♬ som original - Artur Coelho

 Adoro quando o acaso nos sorri, ter experienciado este espetáculo inesperado em todos os níveis, um festim para o cérebro, foi uma excecional surpresa. 

domingo, 9 de agosto de 2015

Fluam



Flow My Tears, the Policeman Said, é talvez dos romances de P. K. Dick que mais gosto. Quando o li na edição da Europa-América, com o menos poético título de Vazio Infinito, aprendi o gosto pelas ficções que questionam o real. Ou melhor, que colocam em dúvida a imutabilidade tangível da realidade e que, sem artifícios tecnológicos, com apenas minuciosas diferenças de percepção, nos levam a outras possibilidades do real. Sempre achei Dick como um dos mais psicológicos escritores de FC, que nos mostra como a realidade que construímos na nossa mente depende muito da forma como a percepcionamos, por muitas pedras que os bispos de Berkeley pontapeiem para provar a sua sólida tangibilidade física.



No romance, Jason Taverner é um famoso apresentador de televisão que ao regressar a casa no final de um espectáculo se descobre numa realidade paralela onde ninguém o conhece, onde nunca existiu. Esta queda nas frestas dos interstícios do real é algo recorrente na FC ou Fantasia mais metafísica, e não cessa de despertar o imaginário.




Flow, my tears, fall from your springs!
Exiled for ever, let me mourn;
Where night's black bird her sad infamy sings,
There let me live forlorn.



O título extraordinário deste romance foi inspirado no poema musicado em ária da pavana Flow My Tears de John Dowland. É uma combinação assombrosa de alaúde, voz e melancolia que a torna uma daquelas peças que nos faz parar e expandir as fronteiras do imaginário. Uma peça que em todos estes séculos não perdeu o seu poder mesmerizador. Diga-se que Dowland era imbatível nas canções melancólicas acompanhadas ao alaúde.

Esse é o tom que recordo da obra de Dick. A incredulidade que dá lugar a um desespero melancólico. O percurso do protagonista, dos altos da fortuna ao oblívio, espelha bem o poema da ária de Dowland:

Never may my woes be relieved,
Since pity is fled

caracteriza bem os sentimentos de um Jason Taverner que

From the highest spire of contentment
My fortune is thrown;
And fear and grief and pain for my deserts, for my deserts
Are my hopes, since hope is gone.


Taverner, disseram? Diria que este romance de P. K. Dick é, entre o muito que é, também uma forte homenagem à música antiga. No seu personagem reflecte o nome do compositor inglês do século XVI John Taverner. Se não me falha a memória, há uma rezinguice de Dick sobre a ascensão de Bach e o esquecimento de Taverner como entrave à evolução da abstracção na música. Não me consigo recordar é de qual romance memorizei esta passagem. Terá, talvez, sido em Do Androids Dream of Electric Sheep ou Os Jogadores de Titã?

A falibilidade da memória é um dos sintomas que leva à melancolia.



terça-feira, 17 de março de 2015

Rewind and Come Again.


Confesso que dos Batida prefiro o programa de rádio à sua música. A sua fascinante sonoridade  tropicalista mistura ritmos kuduro, afro-beat, reggae, electrónica e mais umas quantas coisas que me escapam por completo mas soam muito bem dentro do ecletismo musical. Mas não é o tipo de som que me enche as veias de electricidade. Na rádio são espantosos, misturando sonoridades tradicionais, clássicas, retro e contemporâneas dessa grande cultura afro-brasileira que nos está também no ADN, por via do nosso pouco falado e tantas vezes branqueado passado colonial. Foi na rádio que os descobri, algures entre as estradas nacionais, com ritmos africanos dos anos 60 a travarem o meu saltitar impulsivo entre estações de rádio.


Sabendo-os em cartaz no Centro Cultural das Caldas da Raínha não resisti a ir vê-los ao vivo. Fui sem saber o que iria dali sair, armado apenas com o conhecimento de algumas canções dos álbuns Dois e Batida, algumas em rotação pelas rádios nacionais. Músicas ritmadas e agradáveis, que intrigam o meu ouvido mais habituado a rock, blues, clássica e contemporânea. Deve ser por isso que Batida me atrai. Quem sente o coração aquecido por Xenakis ou Varèse tem de estar aberto a sonoridades fora do comum. Do atrair ao sentir vai uma longa distância, e percebi neste concerto que esta música só faz sentido ao vivo.

Começa pela disposição do palco. Ao entrar percebi que iámos ver o concerto em cima do palco, rodeando os músicos. Pedro Coquenão, o génio musical por detrás dos Batida, explicou-nos logo que queria mesmo assim, como se estivessemos numa roda no largo da aldeia. Recordou-nos que a música é uma experiência partilhada, profundamente social, ao derrubar a barreira que a convencionalidade logistica ergueu entre músicos e audiência. O resto foi uma explosão imparável de ritmo e sonoridade. Impossível de ficar quieto e não seguir a batida. Não se deu pelo tempo passar enquanto Coquenão, os seus músicos, vj e dançarinos nos atiravam à papo-seco para os trópicos contemporâneos, entre rap/reggae/kuduro, video, e discos antigos com beats fascinantes. Nunca me imaginei a dançar ao som de Bonga. Yep, aconteceu. O concerto terminou em festa apoteótica, com os Batida a demonstrar que a música sente-se no momento com uma versão de Alegria que... enfim, ninguém ficou indiferente aos ritmos hipnóticos e visuais psicadélicos. A partilha e interacção com o público foram um dos eixos do espectáculo, onde as barreiras não existiam. Saí de lá rendido. Continua a não ser o meu som de eleição, mas de facto sentir isto ao vivo é uma experiência extraordinária e a repetir. Podem ter uma pequena ideia do que foi este concerto vendo o vídeo de um recente boiler room em Lisboa: Batida Boiler Room. Vejam, e imaginem este concerto com o público imparável a dançar à volta dos músicos, com Coquenão mais intimista a falar-nos do projecto nas suas mais variadas vertentes.

É o momento e o contexto. Goste-se ou não destas sonoridades, desta forma é impossível resistir-lhes. Tão bom, que quando se aproximava o final Coquenão defeniu com precisão o que sentíamos: quando a música é boa e está a terminar, rewind and come again.