segunda-feira, 10 de novembro de 2025

AI Innovation Garden BPI

 


Não perdi a oportunidade de ir visitar a segunda edição do AI Innovation Garden no BPI. Não esperava muito, este tipo de eventos são muito corporate, reina a vacuidade do marketing, a profundidade e sentido crítico são nulos. A mensagem reinante é de uma discplicência intelectual confrangedora, e de deslumbre com a superficialidade das ferramentas. Por outro lado, não é todos os dias que podemos interagir com um andróide Unitree G1, por isso enfrentei o suplício de aturar o discurso corporate delicodoce.  





"Ou até ter de pagar a alguém para fazer isto", conclui, animado, um jovem guia da exposição. Começou a sua apresentação de ferramentas de AI in business a contar-nos que era filho de donos de um restaurante de bairro e mostrou como usou a IA para recriar o design, criar um site (com críticas falsas, referiu) ou gerar uma apresentação para convencer o banco a emprestar-lhe dinheiro. Tenho por hábito nestes momentos o de não interromper, porque quem está ali a falar connosco está apenas a fazer o trabalho para o qual foi contratado, e apesar da tenra idade, suspeito que a ironia de ser pago para dizer coisas como "não é preciso pagar a ninguém" não lhe escapa, até porque deve estar a ganhar pouco menos do que o salário mínimo. Isto, caso não lhe tenham acenado com a ilusão de um voluntariado para fazer currículo.

Também não me escapou a ironia de estar na sede de um banco a ouvir um representante do banco a mostrar como fazer uma apresentação sem quaisquer dados reais para fazer um pedido de empréstimo.

Confesso, gosto muito de IA, mas é deprimente assistir a todo este discurso de deslumbre e elogio da preguiça. Faz por ti, é só pedir, não tens de te preocupar, fica logo tudo prontinho e nem sequer precisas de pagar a outros para fazer as coisas. É um discurso de profunda desresponsabilização intelectual. Uma pura sociedade do espetáculo, diria Debord, ou uma cultura de fancaria, penso eu com o calão lisboeta. É uma atitude que sempre existiu, mas com a IA, este anti-intelectualismo e cultura do esforço mínimo tornou-se moda.

A cereja em cima do bolo? O grupo onde estava atrasou-se a sair, e assisti a outro guia da exposição a fazer exatamente o mesmo discurso, para outros visitantes. Tudo tão displicentemente falso, e assumido.



Foi também algo doloroso ouvir as guias da exposição a mostrar robots educativos - daqueles que poucos usam, e a referir que já havia umas escolas no norte a trabalhar robótica, mostrando que quem organizou a exposição não se deu ao trabalho de fazer o trabalho de casa. Provavelmente, perguntou ao chatgpt. É um inacreditável tiro ao lado, falar desta forma num país com uma tradição crescente na robótica educativa, com alunos da escola pública que vencem regularmente campeonatos internacionais de robótica.


Vá, até fiquei parecido. Um dos pontos interessantes da AI innovatiion garden é o seu robot que desenha com IA. Tinha de experimentar, quando pediram um voluntário ultrapassei a minha habitual relutância e ofereci-me. 

O processo é bizarramente laborioso - implicou tirar uma foto, incorporar no Gemini para gerar um desenho à linha, que depois teve de ser manualmente editado no photoshop para ser incorporado no software de controle do braço robótico. A imagem resultante não ficou como pretendia à primeira, nem à segunda, e só não houve terceira porque não deixei que a guia da exposição perdesse mais tempo a repetir o prompt. 

Achei um excelente exemplo de como não usar IA, pensando no longo historial de projetos de open source que fazem o mesmo com câmaras, arduino, axidraws e similares, sem ter a trabalheira manual de usar IA. Leva também a refletir na forma como a IA, ou em bom rigor, as ferramentas de interface para interacção com modelos, ajudam a aprofundar o desconhecimento. Quem não conhece, fica a pensar que esta é a maneira de executar um processo. 

Foi uma boa metáfora para os solucionistas da IA, que nos impingem automação às três pancadas de processos que de outra forma funcionariam melhor. Nisto, não conheço melhor exemplo que as labirínticas delícias kafkianas dos sistemas inteligentes de atendimento telefónico, que parecem ter sido concebidos para levar os utentes ao desespero, e são a melhor personificação da expressão de Doctorow - a IA não te tira o emprego, mas o teu patrão convence-se que lucra mais se te despedir e usar uma ia que faz mal o teu trabalho. 

Mas vá, acertou no cabelo hirsuto e barba desgrenhada. 

Apesar dos elogios à displicência, vale a pena visitar a segunda edição da AI Innovation Garden, por duas singelas razões - dá para interagir com dois robots daqueles que nos seria difícil de encontrar no dia a dia.