William Warre (2009). Cartas da Península 1808-1812. Lisboa: Aletheia.
Uma visão íntima das Guerras Peninsulares. William Warre, filho de proprietários de casas vinhateiras do Douro, integrou as forças inglesas que lutaram em Portugal no tempo das invasões francesas. Warre acompanha as operações militares desde os primeiros momentos, como oficial que integrará o estado maior de Beresford, comandante dos exércitos portugueses integrados na coligação luso-britânica. Na sua correspondência, faz a narração da sua experiência da guerra, detalhado operações e observações, analisado estratégias, bem como os sucessos e insucessos nos campos de batalha.
Esta correspondência traça um documento que nos ajuda a mergulhar a fundo na história violenta das Guerras Peninsulares. Não só das Invasões Francesas por cá, mas também das violentas operações em território espanhol. Warre, como elemento do estado maior de Beresford, acompanha a guerra até 1812 quando o marechal é gravemente ferido na batalha de Salamanca, terminando aí o seu relato de uma guerra que continuará até Wellington levar as suas forças anglo-lusas, coligas com tropas espanholas, até ao interior francês.
Para lá da descrição das operações militares, as cartas também traçam um retrato das duras condições da guerra. Quanto ao nosso país, não é muito lisonjeiro, embora seja visível a admiração que sente. Elogia muito a coragem e capacidade das forças portuguesas, após serem treinadas e comandadas por oficiais britânicos, mas como soldado integrado nessas mesmas forças só tem críticas a fazer aos governantes, quer à corte exilada no Rio de Janeiro, quer aos responsáveis governamentais portugueses, que acusa de serem incompetentes e mesquinhos, péssimos gestores das necessidades de um país, mais interessados em salvaguardar as suas posições do que em administrar o que lhes compete. Temo que duzentos anos depois, isso ainda seja uma característica das gestões da administração pública.
Há também um lado humano nestas cartas, entre os constantes negócios que Warre se envolve (da compra de cavalos à salvaguarda de pipas de vinho do porto, o métier familiar) e os cosntantes temores sobre o bem estar de uma das irmãs que, vivendo num convento português, está em risco constante até a ameaça francesa ser sustida. No conjunto, um olhar muito interessante, que nos leva a descobrir mais sobre esta época violenta e determinante, para o nosso futuro e o da Europa mas algo esquecida da nossa história. Foi na península que as aparentemente invencíveis forças napoleónicas começaram a sofrer derrotas, entre a violência da população revoltosa, as táticas de terra queimada e as manobras militares regulares. E é de recordar que será Wellington, o vitorioso das guerras peninsulares, que por cá tantas vezes combateu com peso desfavorável de forças mas sempre a saber aproveitar muito bem a geografia a seu favor - as linhas de Torres são o melhor exemplo disso, o general que infligirá a derrota final a Napoleão em Waterloo. O suposto passeio que seria a anexação de Portugal acabou por se revelar um espinho doloroso.