José Barata-Feyo (2023). Os Soldados Fantasma. Lisboa: Clube do Autor.
Há livros que se leem de uma penada, e este, mercê da combinação entre um tema obscuro mas muito interessante, e uma tarde fria de outono, foi um deles. A prosa clara e focada do autor ajudou. O ponto de partida é muito interessante: procura contar a história dos soldados portugueses que combateram em França, na II Guerra Mundial. É uma história totalmente desconhecida, a que se desvenda neste livro.
A tarefa não é fácil, dada a escassez de fontes. De acordo com o autor, os arquivos oficiais são omissos, e a história conta-se através da combinação de depoimentos de familiares de sobreviventes, excertos de memórias de outros combatentes, ou escassas informações militares. O resultado é um vislumbre de histórias muito interessantes, mas esquecidas.
Digam lá que não gostariam de saber mais sobre a vida de uma pessoa como o português que, após ter fugido para França após a derrota republicana em Espanha, em cujas forças combateu, muda o seu nome para Waldemar Leônidas, combate nas unidades da Legião Francesa na defesa da Noruega, é feito prisioneiro do governo de Vichy no norte de África, alista-se nas forças de De Gaulle, é incorporado numa unidade de combate constituída por voluntários espanhóis que, numa combinação de espírito aguerrido e acaso, é a primeira unidade das forças francesas a libertar Paris (tal facto encontra-se comemorado perto do Hotel de Vile, com um jardim dedicado à unidade La Nueve), desfila ao lado do general aquando da parada da Libertação de Paris, e acaba a guerra meses mais tarde, ferido em combate no coração da Alemanha, e no pós guerra viverá uma vida que o leva às sete partidas do mundo? Esta é uma das muitas histórias que é aflorada neste livro.
Incorporados em unidades de combate compostas por voluntários estrangeiros, os soldados portugueses eram um misto de pessoas, desde ex-combatentes da guerra civil espanhola refugiados, a imigrantes que queriam contribuir para o país que os acolheu (e talvez atingir a nacionalidade). O seu destino, enquadrado na generalidade destes voluntários estrangeiros, é um de valor e desprezo. Se se distinguiram em combate, muitas vezes com pesadíssimas baixas, foram destratados aquando da capitulação, e os registos pouco completos mostram o desconforto das autoridades francesas com estes homens que arriscaram, e em muitos casos, deram a sua vida pela França.
O livro ainda inclui um pequeno capítulo aos portugueses mortos pela França, ou seja, civis não combatentes que por circunstâncias várias mereceram essa distinção oficial do governo francês.
Estes soldados fantasma são uma excelente contribuição para a história da II Guerra, bem como do papel de Portugal nestes tempos, que não se resume à política de neutralidade pendente para os Aliados salazarista ou o comércio de volfrâmio, essencial quer para as bombas nazis quer as aliadas. Há a ocupação japonesa de Timor (as memórias de Cal Brandão, socialista desterrado na ilha, são um precioso documento sobre esse tema), e agora a história desconhecida dos homens que se alistaram nas forças francesas.