quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Tempestade de Neve


Henry Dalton, Philip Gray (1958). Aventuras de Anton Ogareff #4 Tempestade de Neve. Lisboa: Livraria Civilização.

Tenho uma certa queda por ir descobrir personagens heróicos do passado, hoje esquecidos. Faz parte do gosto pela evolução da ficção pulp. Encontrei este Ogaraff num alfarrabista, e arrisquei a leitura. O formato é episódico, e a história só faz realmente sentido se se ler todos os volumes (bem, posso apreciar ficção pop pulp do passado, mas com conta, peso e medida, não exageremos...). Estamos na Rússia do século XIX, e Ogareff é o inesperado líder de um bando de rebeldes, vistos como criminosos por se revoltarem contra a ordem legal. Mas a sua revolta assenta no pressuposto de acabar com os servos, alfabetizar o povo, e modernizar o país, ou seja, depressa percebemos que os vilões são os aristocratas, dententores de vastos territórios cujas riquezas exploram, e a condição de bandoleiro atribuída a Ogareff vem precisamente da ameaça que a emancipação do povo traria aos rendimentos dos aristocratas.

Apesar da promessa de aventuras, este romance é essencialmente de intriga palaciana, o personagem principal faz aparições fugazes. Seguimos a aventura de Sergio, um nobre progressista que simpatiza com a causa modernizadora. Os seus pais foram mortos pela ação predatória dos vizinhos, que lhes cobiçam as terras. Sergio procura a compreensão de outros nobres, amigos de família de longa data, mas acaba por aperceber-se que a condição de nobreza é apenas um verniz para justificar a sanha de poder e dinheiro. Os seus supostos amigos depressa o traem, até porque ao fazê-lo, vêem uma oportunidade de se apropriarem das terras que herdou. Será quase morto pela veleidade de confiar nas antigas relações, mas num volte-face final, será salvo por Ogareff.

Há intrigas, imensas cenas de salão aristocrático, promessas de amor, e essencialmente um embate entre o idealismo dos revoltosos e o calculismo da classe dominante, para a qual o desejo de enriquecer se sobrepõe a tudo. O romance não é nada de especial, mas esta visão sobre a sociedade numa série de aventuras escapistas surpreende um pouco. Tendo em conta que o progressismo patente nas aventuras de Ogareff se aproxima dos ideais socialistas, fica-se com a sensação que editar por cá os feitos deste aventureiro nos tempos do fascismo teve o seu quê de subversivo.