quinta-feira, 9 de junho de 2022

We Shall Sing a Song Into the Deep


Andrew Stuart (2021). We Shall Sing a Song Into the Deep. Nova Iorque: TOR.

Este curto livro foi uma das melhores surpresas que li este ano, até agora. A descrição no BoingBoing, que me intrigou, assenta-lhe como uma luva: imaginem um cruzamento entre A Canticle for Leibowitz e Hunt for the Red October, e têm a premissa, o misto claustrofóbico de paranoia submarina e religiosidade lunática que alimenta este livro. Que, apesar de curto em páginas, está na medida certa, consegue conjurar um sólido mundo ficcional, invocar personagens complexas, agarrar o leitor com uma narrativa pós-apocalíptica ritmada e inesperada. 

Imaginem um submarino nuclear que sobreviveu a uma guerra atómica, navegando submerso sob os oceanos. Imaginem que a tripulação adotou o estilo de vida de um mosteiro. Os marinheiros comportam-se como monges, a tripulação inclui meninos castrados cujas vozes em coro ressoam nas profundezas com hinos religiosos, os vistos como impuros, pecadores, ou castrados cuja voz se torna masculina são relegados para o lugar dos esquecidos, onde lhes espera a morte a médio prazo como tratadores de um reator nuclear. Uma tripulação que se vai renovando com raides à superfície, raptando crianças que, enclausuradas no mundo estanque do submarino, sofrem uma verdadeira lavagem cerebral para se tornarem crentes na missão do submarino. Este ainda dispõe de uma ogiva nuclear, e a missão do seu capitão, inculcada em todos com o rigor religioso de uma ordem fanática, é aguardar pelo momento certo para o disparar, e com isso dar origem ao Juízo Final.

Esta tremenda premissa adensa-se quando, no desenrolar da história, percebemos que o autor não nos coloca num futuro, mas sim no passado, nos anos 80, vinte anos após uma guerra nuclear. Guerra essa que foi despoletada pela conspiração ensandecida da tripulação original deste mesmo submarino, encabeçada por um capelão que disparou os mísseis nucleares em direção à Rússia, como forma de provocar um apocalipse. Todos atingem o seu alvo, menos um, que avariou. E o resto sucede-se como dominós em queda, um ataque devastador é respondido por outro ataque, até à destruição dos americanos, russos e europeus. Resta o resto do mundo, que vinte anos depois do cataclisma, se encontra também em guerra, contra uma China hegemónica que quer conquistar as terras não contaminadas pela radiação. Entretanto, este submarino e os seus zelotas ocultam-se sobre os oceanos, pilhando para repor tripulantes e manter a tecnologia decrépita, procurando reparar e lançar o seu último míssil atómico, para finalizar a missão de destruição global que a sua crença religiosa lançou.

O progressivo desvendar deste estranho mundo é-nos dado pelo olhar de uma adolescente, a única rapariga a bordo do submarino. Salva pelo capitão pela sua voz angelical, oculta a sua feminilidade no meio dos marinheiros-monge. E, há medida que vai descobrindo o estranho mundo do submarino, vai começando a questionar as ideias em que lhe dizem que tem de acreditar. A chegada de um elemento externo, uma técnica raptada num raide à superfície que é a única capaz de reparar o tal míssil avariado, vai catalisar as dúvidas da jovem, e despoletar um final muito inesperado.

Leitura rápida, com uma das mais interessantes premissas de ficção científica que li recentemente. Não nos brinda com finais felizes, e é daqueles livros que persiste na memória pelas associações que invoca, a riqueza do mundo ficcional que sugere permite isso.