terça-feira, 7 de junho de 2022

The Architecture of Intelligence


Derrick de Kerchkove (2001). The Architecture of Intelligence. Basileia: Birkhauser.

Encontrado algo por acaso num alfarrabista, este livro foi uma autêntica lufada de tecno-otimismo passado. Ou melhor, uma recordação de um ideário luminoso, lida nos dias em que a utopia de liberdade digital degenerou numa distopia repressiva e capitalista. Recordo Derrick de Kerchkove como um pretendente à herança intelectual de McLuhan, a levar o legado do pensador canadiano para a era digital. Não por acaso, Kerchkove foi diretor do programa McLuhan de cultura e tecnologia, como discípulo fiel que tentou levar mais longe as suas ideias.

Cruzei-me pela primeira vez com este autor com A Pele da Cultura, essencialmente uma visão mcluhanista da cibercultura na viragem para o século XX. Kerchkove imita bem o estilo do seu mestre, escrevendo em frases sintéticas mas bombásticas, condensando as suas ideias em frases curtas, procurando provocar e estimular com o que escreve. E o seu ideário é paradigmático do deslumbramento dos anos 90 com o ciberespaço, com as possibilidades libertárias da internet, da tecnologia como forma de melhorar os indivíduos e o mundo. Em essência, visões utópicas que sustentaram o tecnosolucionismo e o otimismo silicon valley. 

Infelizmente, essas promessas libertárias e de futuro so bright we have to get shades esfumaram-se na cibercultura de hoje, dominada pelo desdém pela privacidade individual, pelos abuso de dados individuais agregados para gerar lucro, pelas gaiolas douradas das redes sociais, pelo enviesamento de discursos públicos alimentados por algoritmos que visam apenas gerar atenção, e com isso lucro. É quase tocante, ler sobre as visões belas de espaços virtuais que empoderariam o individuo, nos dias de hoje.

As visões utópicas de desbravamento de novos espaços tecnológicos, onde o social, o indivíduo e a tecnologia se conjugariam em novas geografias, em fluxos entre o físico e o virtual, entre novas perceções e formas de pensar, são neste livro aplicadas à arquitetura. Fiel a si próprio, Kerckhove dilui constantemente as fronteiras entre o físico e o virtual, estando especialmente deslumbrado pela realidade virtual, essa eterna promessa falhada. Oh, what sweet summer child.

Confesso que tenho um fraquinho por estas visões. São utopias que nos mostram o caminho que, no ocidente, o capitalismo, e nas zonas autoritárias do planeta os regimes políticos, impediram o mundo digital de seguir. Recordam-nos que as coisas poderiam ser diferentes, que o mundo digital se baseou numa visão otimista que assenta num profundo humanismo. Uma visão que, vemos com amargura, foi depressa distorcida por razões economicistas, e nos legaram o corrente estado da tecnologia, feito de dependências e não de interdependências, de onde o humanismo parece afastado e impera a necessidade do lucro cego, ou da opressão ao individuo.