terça-feira, 1 de março de 2022

Comics: Aquatlantic; Chartwell Manor; The Glass Tomb


Giorgio Carpinteri (2018). Aquatlantic. Fantagraphics.

Sob o oceano, vivem homens na sua cidade submersa. Partilham os delirantes edifícios em estilo art deco com tartarugas inteligentes e outros animais marinhos. Estes homens submarinos conhecem os homens que vivem à superfície. Respeitam-nos, têm até um museu dedicado à sua cultura, mas assumem um certo desdém institucional, que serve para proteger ambos os mundos, que não se podem cruzar. Enquanto nas profundezas um ator sofre uma crise por encarnar em demasia uma das suas personagens, na superfície um milionário contrata mercenários e está muito próximo de descobrir a cidade submersa. Só a intervenção de forças primordiais poderá travar o encontro. Nem sempre a bd tem de contar histórias com lógica, ou acutilantes. Este curioso livro é um excelente exemplo de exercício de estilo poético, cada vinheta está mais ao serviço do deleite no traço e imaginário do criador, do que nas convenções estruturais do género. BD como pura expressão artística pura, algo surreal e com um estilo gráfico deslumbrante.


Glenn Head (2021). Chartwell Manor. Fantagraphics.

Um desenhador de sucesso recorda a sua vida, marcada pelo alcoolismo e adição a pornografia, mas também pelas memórias de uma breve passagem por um colégio interno. Está aí a chave para as suas disfunções. Liderado por um carismático diretor, o colégio especializava-se em acolher jovens problemáticos de famílias afluentes. Mas o que se passava dentro das suas paredes marcava-os para a vida. O diretor era abusador, entre espancamentos e abusos sexuais, daqueles que conseguia criar uma aura de carisma e sentimento, aproveitando-se da vulnerabilidade de crianças que se sentiam desprezadas. De tal forma que quando foi finalmente condenado, muitas das suas vítimas o defenderam. A alienação da vida do desenhador, problemática apesar do seu sucesso, tem origem nesta condição de vítima, difícil de aceitar. Em evidência na narrativa está o profundo impacto que o abuso sexual de menores tem sobre toda a vida das suas vítimas, condicionando-as com traumas marcantes. Uma obra de comics autobiográfica, desenhada no estilo underground americano, fortíssima na forma como aborda o crime da pedofilia sob o olhar da vítima.


Terry Moore (2021). Serial Vol. 1: The Glass Tomb. Abstract Studios.

Uma ex-assassina em série, aprisionada há décadas no corpo de uma adolescente (relaciona-se com outras séries deste autor que desconheço), procura outro assassino em série, que tem como particularidade escolher pedófilos como alvos. Um assassino que se mostra ser uma mulher, que elimina os seus alvos com extremo prejuízo. Recolhe sempre uma pequena recordação, que envolve em vidro colorido e oferece à mãe demente. Há um humor fino neste livro sem inocentes.