Arkady Martine (2021). A Desolation Called Peace. Nova Iorque: TOR.
Um regresso ao universo de space opera moderna de Arkady Martine. Em modo de segundo livro de trilogia, que é sempre o volume mais ingrato. O grande foco narrativo continua a ser a embaixadora da estação orbital que tem sabido manter a sua independência face à pressão de um império. Império esse que está ameaçado por uma força exterior alienígena.
Algo que finaliza o primeiro romance, é agora o tema deste segundo: o choque militar entre dois impérios, com a vertente adicional da quase impossibilidade de comunicação. É neste lado alienígena que o romance mais brilha, com ideias muito interessantes. A civilização alienígena é composta por humanoides de aspeto felino, que vivem em simbiose com um fungo que os interliga numa mente-enxame gigante. É por isso que atacam outras civilizações, simplesmente não conseguem atribuir a sua ideia de pessoa a indivíduos. Algo que se resolve com algum engenho e resistência a vómitos (parte da língua alienígena é subsónica, um verdadeiro emético para o ouvido humano).
Intrigas nas cortes e centros de poder imperial, os jogos de diplomacia e as danças de superioridade cultural sempre foram o grande tema desta série. Uma das linhas narrativas segue esse caminho, com o crescimento da consciência do futuro imperador, rapaz que aprende que aqueles que mais confiança lhe oferecem são precisamente aqueles em quem menos pode confiar. No entanto, este aspeto intriguista do romance (vindo da experiência da autora como historiógrafa da época bizantina) torna-se cansativo, demasiado no livro é introspeção dos personagens sobre relações de poder ou normas culturais.
É de observar que esta série é das mais bem conseguidas em termos de atualidade temática da Ficção Científica. A inspiração cultural não vem da vertente clássica, que projeta a nossa civilização ocidental no espaço. A autora inspira-se nas culturas pré-colombianas para criar a sua visão de expansão humana. Também aborda muito bem as questões de identidade e género. A fluidez e a assertividade da sexualidade são características centrais nas personagens. Fundamentais para a narrativa, mas não o seu foco. Parte da ficção progressista sofre do problema de se focar mais na evangelização ou panfletismo temáticos do que, enfim, na ficção. O resultado são livros que agradam muito aos mais ativistas, mas que têm tão pouco sumo real como as digressões sobre a ciência e tecnologia na visão clássica da FC. O leitor percebe logo quando está a ler uma história, ou a mera defesa de um ideário. Por válido que este seja, é no gosto pela ficção que está a vontade de a ler. Martine consegue isso, consegue ser progressista na sua ficção integrando naturalmente os seus elementos, sem cansar o leitor com proselitismos.
Fico a aguardar o próximo romance. Falta ainda conhecer uma das questões mais fascinantes do livro, a visão alienígena da civilização não humana de mente enxame que domina este volume. Nunca nos é explicada, apenas chocamos de frente com ela. Veremos se a série tem continuidade, merece-o.