terça-feira, 31 de agosto de 2021

The Scarlet Gospels


Clive Barker (2015). The Scarlet Gospels. Nova Iorque: St. Martin's Press.

É melhor reinar no inferno que servir no céu? Scarlet Gospels traz-nos três regressos, do mefistofélico cenobita Pinhead, do detetive eternamente envolvido com o sobrenatural D'Amour, mas essencialmente o regresso do seu criador. Clive Barker foi um dos mais influentes escritores de horror dos anos 90, daqueles cujas obras eram sucesso garantido. O caminho para o sucesso fez-se com a visceralidade de Books of Blood e Hellraiser, onde nos introduziu aos Cenobitas, sacerdotes de um culto infernal dedicado à dor e à tortura, que atraíam as suas vítimas através dos elaborados puzzles das caixas de Lemarchand. Puzzles muito procurados por todos os que dedicam às artes negras, que buscavam o suposto poder que a sua decifração lhes trazia, mas acabavam às mãos de  demónios apreciadores da tortura lenta. Barker também ganhou sucesso com os seus romances-périplo, onde personagens torturados caíam por entre as fímbrias da sociedade e se deparavam em terras fantásticas, vivendo aventuras moralmente questionáveis. E Thief of Always é uma das melhores histórias de terror para crianças que jamais li.

É esse estilo que regressa em força neste livro, que funciona como uma espécie de crossover dos mundos ficcionais de Barker. Pinhead, o maior dos Cenobitas, despoleta o caos num jogo perigoso em que tenta tornar-se o líder dos infernos, destronando os demónios que o dominam após o desaparecimento de Lúcifer. Na sua lógica distorcida, decide que o detetive Harry D'Amour, nada estranho a exterminar demónios, será a pessoa mais indicada para servir de testemunha à sua vitória final, e para isso atrai-o aos infernos com uma elaborada armadilha, que envolve o rapto de uma das mais fieis amigas de D'Amour. O resto, é aventura pura negra, no estilo barroco vernacular que é  uma das marcas literárias de Barker. Com um twist final, um Lúcifer farto dos infernos que se suicidou num elaborado mecanismo de morte, é ressuscitado como consequência das ações de Pinhead. E um Lúcifer farto dos infernos, irritado por ter sido desperto do seu sono mortal, é um ser que despreza a sua criação e irá devastar os infernos. O arco narrativo do livro assume proporções verdadeiramente épicas negras.

Sempre vi Barker como um escritor de arquiteturas. Confesso que na sua obra, sempre me fascinaram menos os voos de horror ao estilo de Hellblazer ou Cabal, do que as visões de arquiteturas fantásticas que sustentavam os mundos fantásticos dos seus romances-périplo, como Imajica ou Abarat. Barker regressa em força a esse estilo no inferno que cria, uma vasta cidade de fantasia, habitada por demónios e almas torturadas, rodeada por desertos, um lago habitado por um gigantesco leviatã, e um enorme campo de maquinarias decaídas, restos da magnífica catedral construída por Lúcifer para ser a sua máquina de suicídio. Como sempre, nestas visões Barker não desilude. Lê-lo tem o seu quê de nostalgia, e este é um divertido regresso aos seus negros mundos ficcionais.