Macchiro Oobaru, Bibliomania.
Um livro surpreendente, a nível narrativo e essencialmente estético. Uma rapariga dá por si num quarto de uma estranha mansão. Dentro desse quarto, diz-lhe o anfitrião, todos os seus desejos serão satisfeitos. E haverá uma grande festa, quando o número de habitantes da mansão chegar a 666. Nenhum pode sair, e sempre que chega um novo, é criado um novo quarto. Mas a rapariga não está pelos ajustes, e exige saber como sair da mansão. Há uma forma, requer chegar ao quarto 000, o índice da mansão. Mas nunca ninguém lá conseguiu chegar. A casa tem um sistema, quem sair do seu quarto, é penalizado com o apodrecimento progressivo do seu corpo.
Mas a rapariga não está mesmo pelos ajustes, e sai, em busca do mítico quarto 000. Para isso, tem de atravessar os restantes quartos da mansão, cruzando-se com as mais sublimes, bizarras, elegantes, ou humildes obsessões dos seus habitantes. Sempre acompanhada pelo anfitrião que, sibilino, lhe sussurra que jamais conseguirá chegar à saída, cairá de podre antes de o conseguir. Mas o impensável acontece, e com isso uma nova e ainda mais bizarra revelação. Ao morrer, a rapariga renasce, e revela o seu segredo. Ela, tal como o anfitrião da mansão, são encarnações bibliófilas. Um pesadelo gerado do amor de uma menina doente pelos livros, cuja obsessão benigna gerou um super-livro que, por curiosidade, devorou a humanidade após uma guerra. O anfitrião é um desses livros, e sonha com o momento em que as suas páginas ficarão completas para, finalmente, tocar o mundo real. Mas quando o consegue, descobre que a jovem que se escapou dos seus quartos é ela própria um livro ainda maior, que já incorporou toda a humanidade, e agora incorporará mais este livro errante.
Confusos? É normal. Bibliomania foi das leituras mais estranhas e bizarras que li, ultimamente. É sublimemente surreal, com a sua história que parece começar como uma banal antologia de terror, mas depressa evolui para direções de um perfeito absurdismo decadente. A ilustração acompanha o tom, saltita entre puro realismo, estilismo quase cartoon, e surrealismo expressionista. Visualmente deslumbrante, com uma história que faria inveja aos velhos surrealistas e dadaístas. Um daqueles livros que nos obriga a abandonar a lógica ao longo da sua leitura, e é tão mais delicioso por isso.
Yukinobu Hoshino, Stardust Memories
Hoshino é um dos mestres do mangá de ficção científica hard, e este Stardust Memories um dos trabalhos que sublinha esse estatuto. O livro colige histórias curtas, que têm como ponto comum o sonho da exploração espacial. O imaginário de Hoshino está firmemente ancorado na FC clássica, da exploração de novos e exóticos mundos, e as aventuras que aguardam o homem nas estrelas. Estas histórias oscilam entre o tocante e a aventura clássica, e inclui um curioso toque de humor, numa que ironiza profundamente a FC golden age. Naves espaciais nos distantes mundos, a solidão do espaço, o impulso de ir mais além, as relações quebradas pelas distâncias estelares, misteriosas descobertas em órbitas planetárias ou acidentes desastrosos são alguns dos temas desta antologia.
Mayuri Yoshida, Laika no Hoshi
Sabemos que, na história, a cadela Laika não sobreviveu à viagem ao espaço. Mas.. e se tivesse, de alguma forma, sobrevivido? E regressado à Terra com uma enorme sede de vingança, traumatizada, com vontade de erradicar a humanidade? É esta a premissa deste mangá delicioso, que segue por caminhos muito menos sangrentos do que se imagina pela descrição rápida. Laika, a morrer em órbita, é salva por uma estranha entidade que lhe dá um planeta para viver. Um planeta que se tornará um paraíso, uma sociedade para cães, da qual Laika é a líder. Mas vive consumida pelo ódio à Terra, ódio que os restantes cães não compreendem porque nunca, sequer, conheceram o planeta do qual são originários. Eventualmente, Laika regressará, com um grupo de cães alienígenas que depressa se apaixona pelo planeta e pelos terrestres. Ela ainda tenta destruir o mundo, mas é derrotada. Ferida, arrasta-se pelas ruas de Moscovo até desfalecer aos pés de uma estátua que lhe é dedicada. Acaba recolhida pela neta de um cientista espacial que participou na missão que colocou Laika em órbita. Envelhecida, ferida, acabará por falecer no conforto de uma família humana, regressando assim em paz ao planeta. Uma fábula deliciosa e apaixonante, ilustrada num estilo de fantasia feérica.