quarta-feira, 19 de agosto de 2020

New Maps of Hell


Kingsley Amis (2012). New Maps of Hell: A Survey of Science Fiction. Londres: Penguin.

Para lá de um dos grandes nomes da literatura inglesa do século XX, Kingsley Amis também era fã de ficção científica. Chegou a escrever alguns romances assumidamente dentro do género, no campo da história alternativa. Russian Hide and Seek satiriza a guerra fria com os ocupantes soviéticos da Inglaterra a querer recuperar a cultura aristocrática dos colonizados, e The Alteration uma brilhante história alternativa onde o catolicismo romano não foi desafio pela Reforma, e com isso a Europa manteve-se um espaço de dogmatismo religioso.

Ao contrário de outros escritores do mainstream, Amis nunca escondeu ou desvalorizou a sua atração pela FC. Hoje é comum serem publicadas obras de escritores consagrados que lidam com a tecnologia e modernidade, até mesmo com aspetos oníricos, mas ai de quem lhes disser que estão a trabalhar com conceitos de ficção científica ou fantástico. Seguem grandes distâncias argumentativas para se afastarem o mais possível dessa coisa infeta que são os mundos da literatura especulativa fantástica.

New Maps of Hell, originalmente publicado em 1960, é uma clássica análise crítica às vertentes literátias da ficção científica. Feita por um autor que sendo fã, traz o seu sentido literário afinado nas vertentes mais eruditas, e também um salutar sentido crítico. O livro tem um forte lado didático, um explicar aos que fugiam da FC por a considerarem simplista que o género de facto não o era. Que tinha os seus modos narrativos, temáticas, iconografias. Que era muito mais do que aventuas no espaço e bug-eyed monsters, ou mera tentativa de antevisão do que viria aí.

Ler, hoje, estas análises críticas é mergulhar numa visão transversal do que era a FC até aos anos 60. Amis traça as suas raízes, desmonta os seus temas, fala das suas valências e fraquezas. Muitas foram ultrapassadas. A FC hoje é estilisticamente mais complexa, e perdeu o medo de aprofundar temas. O imaginário futurista, especulativo ou fantasista já não se fica por iconografias superficiais, e abriu-se à diversidade cultural global, ao papel da mulher, à diversidade de género. Aceita o desafio de falar de temas incómodos, do aquecimento global às desigualdades económicas e sociais. E não deixou de ter também divertidas histórias de aventuras no espaço. Com mais nuance, mais profundidade que a FC clássica.

A FC sempre foi um campo rico em memória, em que os olhares contemporâneos conhecem o trabalho dos escritores que os precederam. Mesmo que os desmentem em atos de ativismo crítico. É por isto que vale a pena pegar em análises críticas que nos falam de como foi a FC. Não só ler as histórias clássicas, mas perceber como eram compreendidas à época.