sexta-feira, 14 de agosto de 2020

A Invasão dos Marcianos

Por si só, o livro de H.G. Wells já é um dos grandes textos da ficção científica. A sua imortalidade na cultura popular deveu-se à lendária adaptação radiofónica de Orson Welles, que interpretou o texto narrativo como um relato radiofónico, trazendo a estética e linguagem da rádio para recriar uma obra narrativa. Foi tão bem sucedido que a transmissão ficou lendária por ter gerado o pânico na América. Um sintoma do poder exercido pelos media na formação de ideias e opiniões. 

Em 1958, vinte anos depois do teatro radiofónico de Welles, o radialista Matos Maia organizou para a Rádio Renascença uma adaptação à portuguesa de A Guerra dos Mundos. Claramente inspirado mais em Welles do que em Wells (embora seja fiel ao espírito do texto), Maia coloca os marcianos a aterrar em Carcavelos, e bem depressa em todo o país e no mundo. A GNR revela-se impotente para travar as máquinas marcianas, bem como as brigadas do exército, e nem a força aérea trava os invasores. Lisboa é depressa conquistada, tal como o resto do país. O guião acelera a história, passamos depressa dos momentos iniciais com relatos dos defensores que são exterminados pelos marcianos para a parte onde um sobrevivente confronta o herói da história nas ruínas urbanas (na versão portuguesa, um cientista). Como pormenor final, a descoberta dos marcianos mortos pelas bactérias terrestres é feita, nesta versão, em pleno Parque Mayer. Seria uma pequena piada para sublinhar a teatralidade do texto?

Sem ter dado com versão disponível da emissão, o guião encontra-se online: Invasão dos Marcianos por Matos Maia. Dá para perceber que Matos Maia adaptou bem a obra original, aportuguesando-a para ir ao encontro do público. Seguiu o esquema de Welles, usando uma sucessão de recortes a imitar emissões e reportagens em tempo real para invocar a sensação de imersividade. E, porque estas coisas têm tendência para a ironia, teve por cá o mesmo efeito que vinte anos antes havia tido na América: pânico, sustos, e um puxão de orelhas salazarista com passagem nos calabouços da PIDE.

Nota: Através do Wayback Machine podem ouvir as gravações das emissões originais, um achado graças à capacidade de pesquisa do Ricardo Lourenço, dinamizador do Projeto Adamastor. A peça radiofónica está dividida em três emissões: Parte 1, Parte 2, Parte 3. Boas audições.