terça-feira, 16 de junho de 2020

Code Pru


Garth Ennis, Raulo Cacerex (2015). Code Pru. Rentoul: Avatar Press.

Raulo Caceres é um daqueles ilustradores que tem um traço hiper-detalhado, capaz de criar vinhetas espetaculares. E Garth Ennis...é aquele argumentista igual a si próprio, que desliza suavemente entre o hiperviolento, o rigor histórico (as suas War Stories são imperdíveis) e o humor sem limites (de preferência com sotaque escocês, para confundir os leitores). Code Pru está firmemente no terceiro campo, com laivos do primeiro.

A premissa é genial. Uma aspirante a paramédica em Nova Iorque descobre que o seu trabalho não envolve responder a chamadas de urgência normais. O hospital para o qual trabalha assiste pacientes que são, digamos, pouco convencionais. As criaturas da noite, dos vampiros aos zombies, passando por múmias, súcubas, demónios possuidores e o gosto de Frankenstein por fatias de pizza. As criaturas que nos assustam andam por entre nós, mas na cidade que nunca dorme, não só ninguém dá por elas, como são uma minoria a precisar de muita ajuda médica. E, nas caves do hospital, estão internados aqueles que são mais perigosos, incluindo um certo Grande Ancião que teve de trocar as ruínas submersas de R'lyeh por uma cela hospitalar.

A aspirante a paraméica, cética e ateia, depressa tem de se habituar a uma realidade onde o sobrenatural não só é real, como passa despercebido na azáfama do dia a dia. É a receita para Ennis brincar à grande com todas as premissas do terror. Pesadelos lovecraftianos viciados em jogar monopólio, múmias milenares que ajudam corações desavindos a encontrar o amor, vampiros deprimidos que se sucedem em tentativas falhadas de morrer de vez, súcubas que se alimentam daqueles parasitas cuja falta ninguém lamenta - gestores financeiros. Entre os muitos momentos hilariantes da série, Pru cruza-se numa cafetaria late night decalcada do quadro de Hopper com um exterminador implacável escocês (I kid you not!), que fica levemente furibundo quando descobre que a sua missão de vir do futuro a Glasgow para assassinar a futura líder da resistência humana aos robots sofreu um pequeno erro de geografia. Bom humor, vénias profundas à iconografia do terror, a capacidade narrativa genial de Ennis e o traço espantoso de Caceres. Code Pru é uma preciosidade esquecida.