quinta-feira, 28 de maio de 2020

7 Dias, 7 Livros

Caí naqueles desafios de partilha em redes sociais... e dá sempre para pensar nos livros que realmente gostamos. 7 dias não seriam os suficientes, claro... e recordando que a relação com os livros não se limita ao impacto literário. 


Não sei se se recordam, mas houve um tempo em que não havia Internet para aproximar comunidades de interesses e práticas. Em que não era fácil conhecer e partilhar ideias com aqueles com quem se tinha gostos comuns fora do mainstream. Fazia-se, claro, mas com menos intensidade e normalização do que hoje. Arrisco-me a dizer que sem Internet não teríamos tido a maravilhosa explosão da cultura geek, porque a maior parte de nós estaria isolado e com pouco acesso a momentos comunitários. Imaginem a surpresa do primeiro embate, quando este na altura jovem apaixonado por ficção científica, essa coisa em que os professores que tinha concordavam - devia era deixar-me de ler essas coisas e agarrar-me aos manuais, que isso é que era importante para a vida (não era, nunca foi, e não é, e é uma das coisas que hoje, como professor, digo aos meus alunos, mente aberta e vontade de aprender é que é o fundamental), pegou pela primeira vez num livro de FC portuguesa. Por isso, e por ser o livro que é, refiro-o sempre como a obra seminal da literatura de ficção científica portuguesa, que é pequenina mas teima em existir. Digo isto sem querer menosprezar todos os outros livros e autores que por cá mantêm viva a chama do único género literário que se atreve, realmente, a olhar para lá do horizonte. E, graças à Internet, hoje tenho o privilégio de conhecer pessoalmente os autores deste romance único a quatro mãos. Eu sei que eles detestam esta capa do esquecido Henrique Cayatte, mas eu aí discordo, adoro o toque de astounding no meio do vazio azul.


Nem sei como é que a edição que tenho deste livro não se desfez (graphic novel da abril, do tempo em que nas bancas se encontrava grande banda desenhada, e não vale a pena ser nostálgico, depois de décadas de penúria hoje vivemos num tempo em que voltou a haver edições de grande banda desenhada por cá). Tantas foram as releituras. Nem tanto pela história, são Morrison que me perdoe mas nisso ele fez mais, e melhor. Foi pelos rendilhados. Arkham Asylum foi o meu primeiro embate com um estilo de BD que punha de lado o realismo, ou o boneco com piada, e enveredava decididamente pela experiência plástica mais próxima da pintura do que do desenho. O trabalho incrível de Dave McKean foi um deleite, e um abre olhos para o que se podia fazer numa prancha. Creio que não voltou a ir tão longe, apesar das brilhantes capas da série The Sandman. Está para sair em breve nova edição portuguesa, da Levoir, se não estou em erro. Vale a pena a descoberta.


Nunca emprestar um livro que nos for significativo. Mais vale dar, vai ter ao mesmo. Nem mesmo um aleph o traz de volta. Este foi o meu primeiro grande embate com Borges, depois de ter ficado espantado com um conto lido numa mediana antologia de ficção científica, que por entre histórias de naves espaciais e aventuras no espaço tinha a geografia imaginária de Tlon para me seduzir. E não houve volta atrás. De certa forma, ter tido um livro de Borges e dele só testar a memória é em si algo borgesiano.


Outro daqueles livros estranhamente resistentes, que sobreviveu a múltiplas leituras ávidas. Não só pelas viagens no tempo, como por tudo o resto. Essencialmente, aprendi com Wells que ficção científica não são meras histórias de aventuras a la Verne, ou gadgets gernsbackianos. Que podia ser interessante, divertida, e interventiva nos níveis sociais e políticos.


E para começar... não conheço melhor forma do que destacar o livro que descobri numa exposição na El Pep, no defunto Imaviz Underground. Fiquei de queixo caído com a mestria no desenho, o grafismo e o arrojo temático das pranchas de Cidade Suspensa, para mim uma das grandes obras da BD portuguesa contemporânea.


Quando li as primeiras vinhetas de Dylan Dog, fiquei agarrado. Culpa de Tiziano Sclavi, e tive de partir à descoberta deste livro delirante, negro, bem humorado e essencialmente estranho. Que, ao contrário do que se diz, não é bem uma origin story; talvez uma polinização cruzada na mente deste escritor.


Um dia na vida do senhor Bloom. Com aquela cena irritante de nunca ter (ainda) conseguido fazer um Bloom Day em Dublin (mas sem comer rins, que não gosto). E a memória do minúsculo jardim botânico de Gibraltar (no livro, parecia maior), com uma sorridente mamã a tirar selfies com a filha junto à estátua de Molly Bloom. Pequena estátua, como tudo no enclave, mas grande monólogo, como tudo no livro. Fiquei com a suspeita que as sorridentes selfies eram tiradas por quem nunca tinha lido os pensamentos de Molly Bloom, que de inocência infantil não têm nada.