segunda-feira, 11 de novembro de 2019
As Sombras de Lázaro
Pedro Martins (2019). As Sombras de Lázaro. Vagos: Editorial Divergência.
É com muita justiça que este livro ganhou o prémio António de Macedo para literatura de terror. O romance está muito bem conseguido, com uma ambiguidade entre o psicopatológico e o sobrenatural, e é capaz de invocar terror que vai das sensações mais subtis ao gore escatológico. Uma obra que surpreende, uma história que conduz o leitor por caminhos com voltas sempre inesperadas.
Talvez esta seja uma história sobre um breakdown psicológico com consequências fatais. Ou talvez seja um sobrenatural justiceiro que intervém para castigar os crimes de um homem, punindo-o com a eliminação daqueles que mais ama com extremo prejuízo. Esta dicotomia percorre toda a narrativa que, se nos é apresentada como uma intervenção de criaturas sobrenaturais violentas na sua visão de justiça, está escrita de forma a nunca descartar por completo a possibilidade de todo o horror não passar de alucinações numa mente enlouquecida.
Mergulhamos numa casa senhorial no interior, habitada pelo último descendente da gente de bem local, que após a morte do pai regressa à terra natal com a sua família. Este descendente sempre quis distância da sua herança, graças aos traumas de uma infância passada com um pai alcoólico e amante da disciplina violenta. Mas com o falecimento deste, resigna-se a regressar à velha casa, onde passa os seus dias de volta das suas paixões, a pintura, e os livros sobre oculto. Do antigo grande corpo de criados apenas resta uma idosa mulher a dias, que sempre viveu naquele pequeno solar, e cujo trabalho é o suficiente para a pequena família que lá vive. A pacatez desta vida é destroçada por um problema psiquiátrico grave, que o leva ao internamento num instituto. Pesadelos e alucinações que causam o seu descalabro mental. Mas, com o natal a aproximar-se e aparentes melhorias no estado mental do homem, a sua esposa decide trazê-lo a casa para passar a consoada consigo e com o filho, esperando talvez que isso ajude à sua recuperação total.
Mas depressa percebemos que não será assim. O mal mental tem uma causa muito específica, num segredo guardado pelo homem. Numa noite escura, numa estrada isolada, atropelou mortalmente uma criança, e com medo das consequências do seu ato, decide enterrá-la numa estuda abandonada. Mas não sem antes sucumbir ao impulso mórbido de a retratar na sua morte. A quebra mental poderá ser causada pelos remorsos do seu ato, mas os leitores são mimados com momentos de puro horror visceral. E a intervenção de espíritos vingativos, invocados pelo crime numa obra oculta que chega às mãos do homem de forma misteriosa. Num final de apoteose sangrenta, estes espíritos aplicam a sua visão de justiça eliminando primeiro aqueles a quem o homem mais ama, antes de lhe aplicarem a tortura final. É a lei de Talião, aplicada por seres que como as erínias, atormentam os criminosos, mas ao contrário destas criaturas mitológicas, são capazes de muito mais do que atormentar quem praticou o mal.
As Sombras de Lázaro surpreende pelo seu crescendo de horror. Mantém-se ambíguo, entre a possibilidade de visões alucinatórias ou real intervenção sobrenatural, um artifício que lhe permite explorar diversas vertentes do horror. Crimes, casas soturnas, assombrações grotescas e um final deliciosamente gore é o que espera os leitores deste livro surpreendente.