terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Antologia de Ficção Científica Fantasporto


(2012). Antologia de Ficção Científica Fantasporto. Alfragide: ASA.

Devo dizer que fiquei muito surpreendido, pela negativa, com esta antologia. São poucos os contos que realmente são interessantes, só terminei a leitura por obrigação, e na vaga esperança de apanhar, mais à frente, algum texto que a fizesse valer. Este livro foi o resultado do desafio a alguns escritores e a um concurso de contos no âmbito do festival de cinema Fantasporto. Surpreende-me, por saber que uma das personalidades mais dinâmicas e consistentemente defensoras da melhoria da qualidade na FC e F nacional esteve fortemente envolvida neste projeto. Que, lamento, está muito aquém daquilo que é capaz de fazer como editor e divulgador.

O Tempo Tudo Cura Menos Velhice e Loucura - António de Macedo aplica o seu surreal bom humor às viagens no tempo. A história versa sobre um pacato e mal casado ex-burocrata dos CTT, reformado por achaques dolorosos, que descobre uma forma de viajar no tempo e se vê arrastado para uma quase infinidade de tempos paralelos, vivendo diferentes possibilidades para a sua vida. Algo que Macedo explora com toques de divertimento macabro.

A Inimaginável Materialização de Samira - conto curto, bem urdido, do brasileiro João Vaz, que imagina um cenário futuro onde o contato humano é feito por meios virtuais.

O Robot Auris - Um exercício de estilo de Beatriz Pereira, cheio de banalidades sobre robots e emoções. O típico conto de FC escrito por pessoas que acham que conhecem o género, mas não o conhecem.

O Festival - Ainda estou para perceber exatamente sobre o que era este conto de Filipe Fonseca. Salganhada é a descrição apropriada desta história sobre um concerto do silêncio, terroristas, loops temporais e sei lá mais o quê.

Virgílio Bentley e o Extraterrestre - Um delicioso conto de Ágata Simões, com o seu incómodo e escatológico Senhor Bentley a servir de anfitrião a um inocente alienígena.

As Mãos e as Veias - Escrito como um diálogo teatral, Afonso Cruz, muito igual a si próprio (convenhamos, é um autor algo monocórdico) cria uma fábula sobre marionetes que não acreditam num mundo mais vasto do que o seu teatro.

Tsubaki - Passado e futuro cruzam-se no conto de Bruno Soares, onde a hibernação de astronautas numa viagem a Júpiter corre mal devido a erros de programação no software indutor de sonhos.

Uma Alforreca no Quintal - Laivos lovecraftianos de Colour out of Space, com alforrecas, neste conto de António Carloto.

Fogo! - E se o fogo desenvolvesse consciência, se tornasse inteligente ao arder? É essa a premissa deste conto de João Ventura.

O Cão - Conto curto e bem estruturado de Isabel Pires, onde acompanhamos o fiel companheiro de uma bióloga que investiga as formas de vida numa colónia extraterrestre... e que no plot twist final, talvez não seja bem um cão.

O Mistério dos Uivos - Este conto de Madalena Santos é ambicioso, no seu world buliding abrangente, que nos leva a intuir um mundo ficcional vasto onde coexistem humanos, alienígenas, cyborgs e robots. Tudo se passa numa colónia remota, assolada por misteriosos uivos que ninguém consegue determinar a sua origem. Aproveitando uma expedição para deslindar o mistério, o responsável por inteligência artificial da base toma conta das máquinas, e provoca o caos na colónia. Tem pontos de interesse, mas nunca se percebe bem por onde vai a história.

Expedição ao Futuro - Neste conto de José Cardoso, dois homens viajam para o futuro... à velocidade do pensamento. O ponto positivo da obra está no retratar de um afrofuturismo, mas é demasiado difusa para ser compreensível.

Deja Vu - um conto por Luis Amabile, de encontros no fim do mundo, entre um brasileiro e uma japonesa que se cruzam na Patagónia, enquanto o mundo parece sucumbir debaixo de um dilúvio interminável.

Acordar o Profeta - Este conto de João Leal é sem dúvida o mais interessante e provocador de toda a antologia, e desenrola-se na estrutura clássica do conto de FC, com um toque inesperado no final. Um obscuro antropólogo é contatado para participar num projeto secreto. Descobre-se numa base secreta, onde cientistas humanos e alienígenas estão a desenvolver uma nova religião como forma de assegurar controle social ao nível planetário. Uma das piadas deste conto é dizer-nos que todas as religiões terrestres foram mitos implantados por alienígenas, mas os próprios alienígenas são praticantes fervorosos de uma religião.

- Neste conto de Manuel Alves, o único sobrevivente de experiências genéticas para gerar seres humanos avançados tenta todos os meios para se libertar dos seus criadores. Cyberpunk puro e clássico.

As Moças do Campo - Telmo Marçal assume um tom definitivamente chocante nesta história, onde o futuro decadente se prende com uma praga sexualmente transmitida que ameaça a humanidade. Marçal vai baixo, contando-nos a história entre pregadores, clientes de prostitutas, prostitutas e proxenetas, e um médico renegado que se dedica a infetar vetores de transmissão da doença.

A Besta-Fera  - Conto do brasileiro Rodrigo Silva, que nos fala de um cientista consumido pelo desejo de encontrar um elo perdido entre os antropóides e os andróides. É bem menos interessante do que soa por esta descrição.