terça-feira, 27 de novembro de 2018

It’s Complicated


Fiquei surpreendido pelo tom crítico, límpido e certeiro, deste livro. Habitualmente, quando o assunto é tecnologia e adolescentes, e especialmente se for internet, redes sociais, tecnologias móveis, crianças e adolescentes, o tom é catastrofista. A invocação do perigo de crianças alienadas, presas aos seus dispositivos, presas fáceis de predadores ou viciadas nas recompensas emocionais das redes sociais é constante. E, muitas vezes, partilhada e discutida em tom alarmista nas redes sociais pelos seus utilizadores, o que para mim é uma daquelas finas ironias da vida digital.

Boyd segue outro caminho. Em vez de alarmismo perante perceções de fundamentos duvidosos, investigou e fez essa outra coisa rara quando se fala de crianças e adolescentes nestes contextos: escutou-os, analisando padrões de uso e comportamentos online face ao que pensavam. O que emerge, das entrevistas e análises da autora, é um padrão consistente de ideias que desmonta as visões catastrofistas, e também as otimistas, quando de fala de crianças e tecnologia.

Desmonta a ideia dos nativos digitais, apontando que usar tecnologias em si não implica fluência, sentido crítico ou verdadeira capacidade de apropriação da tecnologia. Cruza a perceção que temos dos adolescentes como viciados nos telemóveis demonstrando que de fato, mensagens e redes tornam-se cada vez mais os únicos espaços onde os jovens podem interagir livremente, sem mediação pela sobrecarga de atividades estruturadas na escola e extra-curriculares. Sempre ocupados com isto ou com aquilo, com o pouco tempo livre mediado pelos pais protetores, usam as redes para fazer aquilo que todos precisamos de fazer para crescer: interagir com os pares em ambientes livres.

Os padrões de uso são também interessantes. Os meios privilegiados são muito privados, que colocam os utilizadores em contato com grupos de amizades com diferentes níveis de proximidade, mas que têm em comum a localização geográfica. São os colegas e amigos com que se cruzam no seu dia a dia. Quando usam redes mais alargadas, fazem-no de forma consciente para gerir as perceções dos adultos. Traduzindo: ao colocarem mensagens numa rede como o facebook, sabem que vão ser lidos pelos pais, família ou professores, e ajustam a mensagem nesse sentido, enquanto as interações livres seguem via chat. O uso de imagem, ao contrário da ideia de exibicionismo perigoso propalada pelos media, é também feito com intenções claras, com restrições ao que é acessível a todos (bate certo: ao visitar o perfil dos meus alunos que me seguem no instagram, ele é invariavelmente definido como privado, só os que lhes pedirem amizade, e aceitarem, poderão ver o que publicam), enquanto que nalguns há uma intenção clara de criar imagens públicas.

Os contextos não estão isentos de problemas. O bullying e sexting são os mais notórios, mas a autora também aponta para estratificações sociais e étnicas (há um caso especialmente notável, de um miúdo de bairros sociais, que tem dois perfis: um público, de mauzão gangsta, que precisa para sobreviver no ambiente problemático onde vive, enquanto que em privado aprofunda o que realmente lhe interessa, interesses académicos). Boyd aponta para, na generalidade, uma gestão cuidada feita pelos adolescentes para evitar problemas na vida digital. Talvez os mais comuns sejam os da perceção que os adultos, que não partilham dos mesmos códigos culturais e sociais, têm do que os adolescentes publicam. Finalmente, nota que estes meios digitais são a forma que os adolescentes têm de fazer engajamento social e cívico.

Boyd traça um retrato positivo da interação entre adolescentes e tecnologias. O estudo começa nos tempos do MySpace e acaba nos do Facebook, mas a autora está mais interessada em falar de padrões de comportamento constantes do que formas de usar determinadas aplicações. É um relato sóbrio, alicerçado na realidade, que desmistifica mitos e conclui, ironicamente logo no prefácio, que the kids are allright, e que os adultos têm de ter a consciência de os guiar na fluência digital e apropriação tecnológica, deixando-os evoluir as suas próprias formas de estar sociais.

Citações:

Social media plays a crucial role in the lives of networked teens. Although the specific technologies change, they collectively provide teens with a space to hang out and connect with friends. (p.14)

 engagement with social media is simply an everyday part of life, akin to watching television and using the phone 8p.16)

They take content out of context to interpret it through the lens of adults’ values and feel as though they have the right to shame youth because that content was available in the first place. In doing so, they ignore teens’ privacy while undermining their struggles to manage their identity. (p.53)

“When [adults] see [our photo albums] or when they see conversations on Facebook wall to wall, they think that it’s this huge breach of privacy. I just think it’s different.... I think privacy is more just you choosing what you want to keep to yourself.” Alicia is not giving up on privacy just because she chooses to share broadly. Instead, she believes that she can achieve privacy by choosing what not to share. (p. 63)

Teen “addiction” to social media is a new extension of typical human engagement. Their use of social media as their primary site of sociality is most often a byproduct of cultural dynamics that have nothing to do with technology, including parental restrictions and highly scheduled lives. Teens turn to, and are obsessed with, whichever environment allows them to connect to friends. Most teens aren’t addicted to social media; if anything, they’re addicted to each other. (p. 77)

Being “addicted” to information and people is part of the human condition: it arises from a healthy desire to be aware of surroundings and to connect to society. The more opportunities there are to access information and connect to people, the more people embrace those situations. Whereas the colloquial term news junkie refers to people who rabidly consume journalistic coverage, I’ve never met a parent who worried that their child read the newspaper too often. Parents sometimes tease their children for being “bookworms,” but they don’t fret about their mental health. But when teens spend hours surfing the web, jumping from website to website, this often prompts concern. Parents lament their own busy schedules and lack of free time but dismiss similar sentiments from their children. (p.88)

Information literacy is not simply about the structural means of access but also about the experience to know where to look, the skills to interpret what’s available, and the knowledge to put new pieces of information into context. In a world where information is easily available, strong personal networks and access to helpful people often matter more than access to the information itself. (p.156)

Being exposed to information or imagery through the internet and engaging with social media do not make someone a savvy interpreter of the meaning behind these artifacts. (p. 160)

Boyd, D. (2014). It’s Complicated : the social lives of networked teens. New Haven: Yale University Press.