quinta-feira, 7 de junho de 2018
Le Storie: Sangue e Gelo
Tito Faraci, Pasquale Frisenda (2018). Colecção Bonelli #05 Le Storie: Sangue e Gelo. Lisboa: Levoir.
A coleção Bonelli está a fazer um excelente trabalho de mostrar aos leitores portugueses um panorama abrangente do trabalho da casa editorial, entre personagens clássicos, novos e títulos que não cabem dentro dos espartilhos narrativos das séries tradicionais. Este Le Storie é uma amostra de uma série Bonelli que dá liberdade aos seus autores para contar histórias independentes. Outro ponto interessante desta coleção é mostrar um tipo de banda desenhada que escapa ao pretensiosismo intelectual da BD europeia, geralmente centrada na aura de peso cultural da BD francófona, que apesar do estatuto é de facto uma indústria como a dos comics ou mangá. As edições Bonelli não se assumem como BD intelectual, mas conseguem atingir elevados níveis de qualidade estética e narrativa dentro de um ambiente comercial muito peculiar, com um formato de edição próprio que escapa ao arco francófono das séries de álbuns, à rotina dos floppies em comics ou à sobrecarga de páginas do mangá.
Sangue e Gelo pega na história da retirada francesa da rússia, com a invasão napoelónica derrotada pelo general inverno, para nos mergulhar numa narrativa onde a violência da guerra e a visceralidade das tradições míticas eslavas se cruzam num ambiente de puro horror. Um grupo de soldados a tentar fazer o seu caminho de regresso pela rússia gelada é atraído para o que parece ser uma salvação abnegada, mas acaba por se revelar uma armadilha. Enclausurados numa aldeia arruinada, acossados por criaturas de pesadelo, os soldados descobrem-se num inferno povoado pelos seres horríficos da mitologia eslava, antigos deuses poderosos que foram subsumidos como demónios com a cristianização dos povos russos. Uma armadilha da qual a morte será a única fuga possível, e que terá um final deliciosamente ambíguo. O toque lovecraftiano da narrativa é complementado por um excelente trabalho visual, num registo de cinzentos a transmitir o gelo profundo do inverno russo, quebrado pela violência avermelhada do horror arcaico.