quinta-feira, 4 de agosto de 2016
The Red Virgin and the Vision of Utopia
Mary Talbot, Bryan Talbot (2016). The Red Virgin and the Vision of Utopia. Milwaukie: Dark Horse Comics.
Há uma ironia amarga neste livro, lido e escrito num início de novo século onde a utopia é vista com desconfiança. Os sonhos de mudança social radical que dominaram o século XX deixaram um legado de ruína, guera ou desvio do progressismo para reforço do poder de elites. Tememos conceber mundos melhores, quando o fazemos somos logo recordados dos falhanços das utopias que nascidas no século XIX moldaram o XX.
Mary Talbot dá-nos a conhecer Louise Michel, figura destacada do feminismo e das lutas por direitos sociais, sobrevivente da Comuna de Paris. Somos mergulhados no idealismo esmagado a canhão e bota cardada de uma primeira experiência de construção de um mundo diferente, equalitário. A elegia da vida desta mulher notável recorda-nos os enormes sacrifícios feitos por gente comum que ousou desafiar governos e instituições, legando-nos progressos sociais que se tornaram norma no mundo em que vivemos. É uma história de luta amarga, de idealismo imparável mesmo pela bala, de prisão, degredo e regresso a uma Paris aburguesada sem perder a vontade de lutar.
É, também, uma profunda homenagem à ficção científica da viragem de século, ao seu lado utópico de construtor de mundos imaginários que ousaram sonhar com progressos sociais e científicos. A história de Louise é-nos contada em conversa entre a filha de uma amiga íntima da personalidade e Caroline Gilman, escritora feminista americana da viragem de século que utilizava a FC para explorar visões do mundo em que a mulher tinha plenos direitos. Herland, uma variante das histórias de mundos esquecidos, onde um grupo de exploradores descobre uma civilização avançada de mulheres no planalto amazónico, é a sua obra mais marcante.
O conceito de FC como libertadora do imaginário ao serviço do progresso social está muito em evidência ao longo desta história biográfica onde Wells, Verne e Shelley são figuras que modelam o pensamento das personagens, entre as quais se encontra Albert Robida. Um livro surpreendente, que leva o leitor a reflectir sobre as agruras do progressismo, tornado mais saboroso pela sua homenagem aos primórdios da ficção científica.