sexta-feira, 29 de julho de 2016

Erotosofia



António de Macedo (1998). Erotosofia. Lisboa: Caminho.

O que teria feito António de Macedo se, ao filmar o incontornável Os Abismos da Meia Noite, tivesse tido acesso aos meios técnicos e digitais de efeitos especiais dos dias de hoje? Se no filme as paisagens fantásticas são mais sugeridas do que vista, essas visões são plenamente invocadas neste romance. Desconheço se se trata da base do filme, ou de adaptação posterior do argumento. A história é a do filme, a de um amor inaudito cuja consumação irá manter o equilíbrio cósmico entre as forças do bem e do mal.

Ler este livro é recordar as imagens fílmicas de tesouros encerrados em castelos, do lago interior das cavernas que espelha na sua negritude outras perfeições cósmicas. Para quem conhece o filme, torna-se difícil dissociar as suas imagens das invocadas pelo livro, dos cenários às personagens. As imagens literárias, no entanto, permitem ir mais longe do que os meios técnicos disponíveis à altura. Toda cena de imersão dos amantes dentro da negritude da caverna, com as criaturas féericas que os perseguem, que no livro é uma cena portentosa de criaturas de pesadelo, faz pensar o quanto Macedo exploraria o poder dos efeitos especiais se tivesse meios técnicos para isso.

Em evidência fica o peculiar imaginário de Macedo, entre o conhecimento gnóstico, saber científico, reconhecimento tecnológico, colisão entre o imaginário de raiz popular com os mitos da literatura fantástica temperado com muito bom humor, com particular homenagem a Lovecraft e aos seus Mythos. As iconografias invocadas por Macedo raramente se enquadram nos espertilhos estéticos do género fantástico. A sua FC segue os caminhos do surrealismo e o seu fantástico as visões do ocultismo, algo que não surpreende dado o seu interesse pelo tema, explorado em livros que são dos poucos dele que são fáceis de encontrar nas livrarias. Se tiverem, como eu, a sorte de se depararem com este livro num alfarrabista, não hesitem. Para além de uma boa história, ficam nas vossas estantes com um excelente elemento representativo do fantástico português.