terça-feira, 17 de maio de 2016

Um Caso de Consciência



James Blish (1990). Um Caso de Consciência. Lisboa: Europress.

Este livro lê-se como um exercício de especulação, um e se uma civilização alienígena introduzisse uma serpente no paraíso? Mas a Terra futurista deste romance não é um paraíso, é um planeta cujos habitantes soterrados nas cidades subterrâneas que evoluíram a partir dos abrigos para uma guerra nuclear que nunca chegou a acontecer começam a dar sinais de psicose progressiva. Uma civilização que também se expande pelo espaço, alicerçada em tecnologias que permitem o atravessar dos golfos galácticos, explorando planetas que na sua maioria pouco mais apresentam do que formas de vida rudimentar.

Até se depararem com Lítia, planeta que irá representar um curioso desafio à humanidade. Lar de uma civilização extraterrestre avançada, que evoluiu a sua tecnologia a partir de pressupostos biológicos num planeta esparso em minerais, cuja espécie inteligente reptilóide replica a cada ciclo de nascimento e crescimento todos os estádios evolutivos de ovo a ser adulto, passando por peixe e anfíbio. Uma civilização cuja cultura representa, aos olhos de um dos homens encarregue de avaliar o potencial do planeta para as Nações Unidas, um perigo inusitado. A bondade baseada na lógica pura representa, para alguém que é padre jesuíta, um sinal de infiltração do demónio, um golpe final na religiosidade.

Quando um lítio é trazido à Terra, em óvulo como oferenda do seu pai, e cresce, ser entre dois planetas, cuja biologia determinista colide com os pressupostos de uma cultura que nunca será sua mas na qual se vê inserido, fica a prova que, realmente, algo de errado se passa com este transplante bio-cultural, na forma como consegue semear a discórdia e exacerbar as tensões negativistas da população terrestre. Há que admirar o final infeliz de uma história amarga, com um exorcismo a coincidir com uma experiência com energia nuclear que oblitera um planeta paradisíaco mas ameaçador.

Há duas ideias curiosas neste romance de James Blish. A mais óbvia é o especular da influência que a descoberta de uma cultura alienígena terá (ou teria, que isto das distâncias galácticas não facilita a probabilidade de descobertas de vida além da Terra) sobre os pressupostos culturais e morais sobre o quais assetam as nossas culturas e conceitos civilizacionais. A mais interessante é o voo imaginativo que Blish faz sobe a evolução biológica e cultural em planetas diferentes do nosso, dentro dos constrangimentos trazidos pelo ecossistema.

Um livro que em muitos momentos é um longo infodump, algo que me agrada de sobremaneira. Eu sei, é uma técnica maldita entre o lado mais literário da FC, mas os voos de especulação pura de um bom infodump são sempre uma incessante fonte de fascínio.