terça-feira, 12 de abril de 2016
Arkwright
Allen Steele (2016). Arkwright. Nova Iorque: TOR.
Recordo vagamente Allen Steele como autor de um conto intrigante sobre interferências políticas na exploração espacial que apareceu na Asimov ou na Analog, há alguns anos atrás, tendo seguido o caminho favorito das editoras com trilogias sequenciais. Nunca lhe prestei grande atenção, o que ajuda a explicar a minha surpresa com este Arkwright. Não sendo um livro complexo, surpreende pela capacidade de agarrar o leitor de página em página.
É impossível não ler Arkwright como uma resposta classicista a Aurora de Kim Stanley Robinson e Seveneves de Neal Stephenson. Num, Robinson desmonta metodicamente o conceito de nave geracional, com a complexidade de ecossistemas artificiais fechados e periclitantes, culturas humanas que evoluem no isolamento de uma tripulação que viverá ciclos de morte e nascimento até chegar ao destino, e à impossibilidade de adaptação humana ao próprio destino alienígena, sem bug eyed monsters mas com influências nano-biológicas letais. A mensagem é clara. O espaço é demasiado vasto, os planetas extraterrestres demasiado alienígenas, o sonho da expansão estelar apenas isso, um sonho. Já Stephenson preferiu purificar a humanidade através da quase extinção como forma de recriar a sociedade em moldes mais futuristas, utilizando a catástrofe como forma de sublinhar o que considera errado nas atitudes sociais contemporâneas. Ambos são livros que pegam em premissas de Hard SF clássicas e as desconstroem com cepticismo negativista, mesmo levando em conta o utopismo optimista professado por Stephenson (que, notem, só funciona bem depois da imolação da humanidade).
Arkwright lê-se como um contraponto suave e bem educado a estas visões críticas. Sublinha o seu classicismo iniciando-se com o que é uma elegia da FC clássica que despertou o campo, com o que durante muitas páginas nos parece ser uma espécie de romance biográfico de um género, centrado em personagens ficcionais que espelham o percurso de alguns dos maiores nomes da FC. O objectivo é o de capturar o utopismo inocente daqueles que escrevendo histórias de aventura no espaço se preocupavam com o aprofundar da componente científica da ficção, e alicerçavam a sua prática ficcional numa crença inabalável e optimista de um futuro brilhante, proporcionado pela ciência e tecnologia.
Se fosse só isto, este não seria um livro interessante. O cerne da resposta de Steele está nas acções possibilitadas por este utopismo inocente, que no caso do romance se mantém a muito longo prazo. Em essência, Steele regressa ao tema da nave geracional como forma de explorar as estrelas, combinando com inteligência artificial e engenharia genética para ultrapassar as dificuldades inesperadas da colonização de um planeta extra-terrestre. Mas muda o foco. Não acompanhamos a evolução de futuros colonos confinados ao ecossistema artificial como em Aurora. E os males políticos da humanidade serão curados graças a uma catástrofe cósmica, como em Seveneves, mas sem a imolação do romance e com a tecnologia a evitar o pior.
Imaginem se a nave geracional não fosse o artefacto a seguir a sua trajectória pelo espaço interestelar mas sim os cientistas que ficam na Terra, curadores de um projecto que sabem não ver concluído durante as suas vidas, que têm de manter uma dedicação através de gerações, com sucessores que talvez não estejam interessados em dedicar a vida a algo tão etéreo. São esses dramas e evoluções pessoais que mantém a linha de continuidade do livro, apesar de ser assinalável que Steele segue o estilo de personagens FC de Arthur C. Clarke: caricaturas superficiais de alguns traços de personalidade, que se rendem sempre ao sentido de dever. Não sei se será falha, característica do autor ou mais uma vénia à FC clássica, num livro que está cheio de pequenas homenagens ao género.
A história é, de facto, geracional. Arranca com um escritor de space opera de sucesso que na reforma dedica-se a criar uma fundação que estimule a exploração espacial, e num grupo de amigos envelhecidos que honra a memória do escritor após o seu falecimento com um projecto ambicioso de colonização de um planeta extra-solar. Um grupo que se intitula de Legion of the Future, que se conheceu nas primeiras convenções de FC nos Estados Unidos. A piscadela de olho aos Futurians é óbvia, para quem conhece um pouco da história da génese e evolução deste género literário.
Steele segue o caminho Hard SF no desenvolvimento da nave, um sistema automatizado baseado em propulsão a laser, controlado por inteligência artificial, e tendo como tripulantes não os avós de futuros colonos ou uma tripulação em hibernação, mas o ADN dos envolvidos em esperma e óvulos congelados que serão artificialmente fertilizados e gestados quando a nave chegar ao seu destino. Um conceito que permite outra escapatória ao alienismo sublinhado por Robinson em Aurora. Não será o homem a ser afectado pelas consequências inesperadas de organismos alienígenas, mas antes o homem a adaptar-se, através da engenharia genética, aos biomas extra-terrestres. Não são ideias novas. Recordo Manplus de Pohl, com a modificação do corpo para sobreviver ao ambiente hostil marciano, o mangá 2001 Nights de Hoshino como exemplo do conceito de colonização estelar recorrendo a naves que contém embriões, ou em Seveneves o papel de um banco de ADN como forma de inseminar as sete sobreviventes férteis da catástrofe terminal que irão reiniciar a humanidade.
O resto é política, ou antes, a tendência de políticos ambiciosos encontrarem alvos fáceis numa ciência mal compreendida pela população, o espectro das alterações ambientais, a espada de dâmocles de um asteróide em rota de colisão. Mas, no fundo, a vida dos sucessores do escritor, que de uma forma ou outra os leva a abraçar um legado familiar que, após um lançamento espectacular, depressa se esvai da memória pública.
Certamente uma das surpresas da FC deste ano, Arkwright apela àquele utopismo inocente que sublinha a FC clássica, apesar de não se esquivar do rigor exigido pela Hard SF. Lê-se, também, como uma profunda homenagem à FC da era dourada, hoje recordada com nostalgia pelos leitores. Tão profunda é que Steele arranjou maneira de decalcar um momento icónico da série Fundação de Asimov a meio do seu livro. Desafio-vos a descobrir qual, mesmo sabendo que o autor dá muitas pistas.