terça-feira, 8 de março de 2016

Universos Paralelos


Três seguranças aliviam o tédio de passar os dias a olhar para um enorme ecrã de feeds de câmaras de video-vigilância espreitando o que aqueles que estão encarregues de proteger estão a fazer. Vão descobrir que estão envolvidos numa experiência tecnológica, numa empresa anónima cujos engenheiros decidiram recriar uma réplica do mundo real habitada por seres computacionais para testar os efeitos de condições sociais. A realidade e a virtualidade depressa de confundem numa história tortuosa onde os personagens estão aprisionados à incapacidade de distinguir o que é real do que é virtual.

Universos Paralelos é uma peça que em ritmo de comédia leve se envolve com alguns temas muito actuais, retirados das hipóteses científicas e do mundo contemporâneo. Mexe com a ideia borgesiana de que o mapa se pode tornar o próprio território que representa, com a hipótese de existirem universos de simulação computacional cujos habitantes não têm a consciência de serem simulacros submetidos aos efeitos de algoritmos programados pelos seus criadores, não esquecendo aqui uns retoques cuidados de glitches in the matrix. Jorge Luís Borges, o filme Matrix e Baudrillard são as influências óbvias do texto. Há outro aspecto, substanciado pela imagem dos ecrãs de videovigilância omipresentes sobre as figuras dos seguranças, que sublinha a prevalência discreta da sociedade-panopticon na era contemporânea, onde espaços públicos e privados estão sempre sob o olhar das lentes das câmaras.

Confesso que o Teatro Nacional D. Maria II seria o último espaço onde pensaria ir ver algo directamente ligado com Ficção Científica. Teatro de FC é raro, mas acontece, e com esta já tive oportunidade de ver duas peças portuguesas contemporâneas que abordam estas temáticas. Universos Paralelos é uma FC mais leve, vista como comédia, mas os elementos e o referencial estão lá. Se o público presente mostrou ficar bem surpreendido com o enredo tortuoso, para um conhecedor do género o sentido narrativo era óbvio ao fim de poucos minutos. Podemos não estar a falar de um possível candidato aos prémios Hugo ou Nébula, mas este texto de Jorge Andrade é uma boa incursão teatral nos domínios tecnicistas da FC.