quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Visões


Mad Max Fury Road (George Miller, 2015)

Quando este filme estreou, evitei-o. Porque... era Mad Max, saga pela qual nunca tive particular pendor. Carros espatifados, cenários pós-apocalípticos e justiceiros atormentados. Não sendo eu um rapaz especialmente enamorado de automóveis, a piada de Mad Max sempre me passou ao lado. A combinação de tarde com a mente a precisar de estímulo cinematográfico num dia em que nem a Cinemateca ajudava e um feliz acaso no El Corte Inglés levaram-me a ver este Fury Road. Porque não, pensei. Afinal, aquilo é suposto ter efeitos especiais interessantes. E a malta que o viu gostou e jura a pés juntos que foi um dos melhores filmes que viu no ano de 2015. Deixei o Anomalisa para outro dia. Sem ânimo para depressões, entrei na sala de cinema com vontade de desligar o cérebro.

Saí de lá exausto, com os sentidos sobrecarregados e os músculos doridos de tanto salto na cadeira. Este Fury Road é um portento de filme, que se assume como algo que não é para levar a sério e com isso se liberta para explorar e ultrapassar todos os limites da sua estética. Sim, o filme é essencialmente uma longa cena de perseguição automóvel, feita com uma cinematografia invejável e com designers em rédea solta para criarem os mais insanos e implausíveis veículos. Um espectáculo frenético de efeitos visuais, ritmo imparável, constante ultrapassagem de limites, mas apesar de todo o over the top assumido é um filme curiosamente comedido. Digo isto porque no meio de tanta chama, metal estraçalhado e colisão com extremo prejuízo nunca o olhar da câmara nos revela o que acontece à carne humana no impacto com o aço cromado. Outros filmes cederiam à tentação do choque gore, mas este move-se por outras estéticas do absurdo. Os maus filmes só pioram com as suas pretensões a ser algo mais pertinente do que realmente são. Este assume o seu absurdismo, a implausibilidade do seu espaço ficcional, a incoerência em que se baseia. Há que admirar essa coragem, levada ao extremo das situações, efeitos e ritmo.

Como classificar este filme? Talvez se o cinema apocalíptico, maus filmes de série B italianos com mutantes pós-industriais, malhas de guitarra hard rock clássico, estética industrial, cyberpunk decadente, cultura dos muscle e custom cars, visões do rescaldo das catástrofes nucleares, fins de civilização e os detritos da sociedade de consumo se juntassem numa orgia intensa e, após gestação cuidada com substâncias psicadélicas, parissem este Fury Road. Com um toque de Metropolis e a sua máquina de Moloch nos elevadores mecânicos accionados por moles humanas na Cidadela de Immortan Joe. Onde sim, percebemos bem a piada da acqua cola e dos vícios da sua adição a estes tempos de neo-liberalismo austeritário, com os seus êxodos de zonas de conforto e submissão do bem estar geral às vontades caprichosas das elites financeiras. Sempre imersos numa imensa vastidão árida, sublinhando os fantasmas surreais que assombram os miasmas dos desertos do real. All shiny and chrome.