The Martian, Ridley Scott (2015): "I'm gonna have to science the shit out of this" é uma frase demasiado boa para não ficar na memória colectiva. Resume muito bem o espírito quer do filme quer do livro em que se baseia: perante situações inimagináveis, decompor os problemas, e usar a razão e o conhecimento para os ir ultrapassando. As condicionantes da linguagem cinematográfica significam que vemos um The Martian redux, sem os longos mas interessantes infodumps do livro original, e percebe-se bem na forma como o realizador se esforça por contextualizar alguns dos momentos a falta que as explicações fazem. Ridley Scott pega muito bem na obra de Andy Weir, sublinhado a resiliência e bom humor do astronauta abandonado em Marte, valorizando na narrativa a sua vertente de Robinson Crusoe no espaço em modo hard SF. Os detalhes estão perfeitos (fantástica, a nave Hermes), com um elevado nível de plausibilidade que, novamente, respeita bem o livro. Respeito esse que se mantém até nas partes mais fracas do mesmo. Quem leu The Martian deve, tal como eu, ter chegado a momentos em que se perguntou porque é que o autor tanto insistiu em continuar a empilhar adversidades em cima de adversidades sobre o seu astronauta. Este sofre torturas que fazem as de Job parecerem suaves. É bom ver o realizador de clássicos marcantes da Ficção Científica como Alien e Blade Runner regressar à boa forma, depois de um desastre conceptual (mas com uma estética fantástica) como o patético Prometheus. Em The Martian não há geógrafos incapazes de ler mapas ou alienígenas avançados a semear a vida no planeta. Apenas um cientista, utilizando a tecnologia de que dispõe e o seu saber para tentar sobreviver.
As interwebs estão a adorar o pormenor do concílio de Elrond. Pessoalmente, prefiro destacar a omnipresença de Saturn As Seen From Titan, uma das ilustrações icónicas de Chesley Bonestell que marca de forma indelével as nossas visões da exploração espacial. Não por acaso, esta visão é a base do logotipo da Titan Books. O quadro é muito visível como detalhe em fundo sempre que há reuniões na administração da NASA. A sua influência faz-se sentir na visão que Ridley Scott nos dá dos wide open spaces marcianos, que filma com o mesmo sentimento de grandiosidade que David Lean conferiu aos desertos arábicos em Lawrence of Arabia. Sente-se o espanto, a necessidade de ir lá, o coração a palpitar com a ideia de exploração. Sabemos que estamos a ver as zonas do Arizona celebrizadas em inúmeros westerns trabalhadas com VFX cuidado e verosímil, mas sentimo-nos por entre os valle e platinitia marcianos. Que Ridley Scott se inspira nas visões clássicas de FC para as suas iconografias é algo que está patente em Prometheus, e no incontornável Blade Runner. Este filme sublinha essa vertente estética, notando-se que Scott se ancora muito em Bonestell para visualizar e enquadrar esta visão da presença do homem na superfície de Marte.