sexta-feira, 4 de setembro de 2015

The Star Diaries

 

Stanislaw Lem (1976). The Star Diaries. Nova Iorque: Avon Books.

Um destes dias tenho de procurar uma biografia ou estudo literário sobre a obra deste singular escritor polaco de Ficção Científica. Gostaria de perceber se o que dele se conta é real. Se a historia, provavelmente apócrifa, de Lem ser um escritor apaixonado pela FC anglo-americana que impedido de a ler por estar do lado de lá da cortina de ferro, escrevia da forma como pensava que os grandes nomes que idolizava escreviam. Algo que lhe causou desilusões quando finalmente pode contactar com as obras reais dos autores que idealizava.

A obra literária de Lem representa um tipo de ficção científica que talvez só agora esteja a atingir o reconhecimento público. Não me refiro à obra do autor, claro, que essa é bem reconhecida, mas à ideia de FC que não se fica pela aventura ou pelo didactismo especulativo. Um tipo de FC mais experimental, aberta a influências de outras áreas da literatura. Algo que Ballard explorou, e que escritores nossos contemporâneos (Mieville, Tidhar, tantos outros) estão a abordar, fazendo evoluir o âmbito da FC de tal forma que grupos mais tradicionalistas invocam a tristeza dos cachorrinhos para tentar impor visões retrógradas de um belíssimo antigamente é que era.

Não que a ciência, parte fundamental do binómio ficção científica, esteja ausente da obra de Lem. Ela está lá, e em força. Física, exploração espacial, cibernética, paradoxos temporais, robótica, evolução histórica, biológica e social são temas que encontram espaço nos seus contos. É na forma como se manifestam que se distingue o estilo único da voz deste escritor. Elementos que na Hard SF seriam rigorosamente explanados ou fariam parte do cenário no género aventuras no espaço são usados por Lem com uma sorridente ironia, peripatética, excêntrica e inesperada. Como se se tratasse de uma colisão optimista entre as visões do mundo de Borges e Ballard.

O que fica da leitura são histórias abrangentes, que mesclam o fantástico com ironia, mais profundas do que aparentam ser. Traem uma visão do mundo talvez condicionada pelas incongruências da vida num regime e sociedade distópicos que se viam como utópicos. Os absurdos dos sistemas políticos não questionados pelas populações são um dos grandes elementos destes diários.

A ficção científica de Lem segue um caminho diferente da FC clássica. Assente na especulação científica,  não segue didactismos especulativos,  optando por entender o futuro como um espaço cheio de possibilidades imprevisíveis.  Espaço amplo,  onde tudo poderá ter lugar. Perfeita razão para explorações onde o inaudito e o surreal imperam. O futuro não tem de ser uma projecção extrapolativa do presente,  e a nossa condição de normalidade pode parecer altamente bizarra aos olhos de outros.

The Seventh Voyage: Com o foguetão paralisado por uma avaria, Tichy mergulha numa zona onde o tempo colapsa e a nave começa a ficar infestada de Ijons Tichys do passado e do futuro, que coexistem numa ruidosa simultaneidade.

The Eight Voyage: Ijon Tichy é eleito delegado da humanidade para a sua introdução na comunidade de planetas unidos, mas a história violenta, as conquistas científicas destrutivas e a falta de progresso social não convencem as restantes civilizações de que a vida na terra seja inteligente e civilizada.

The Eleventh Voyage: Tichy é enviado numa missão secreta a um planeta dominado por robots, que expulsaram os humanos e professam odiá-los de morte. Mas, na superfície, acaba por descobrir que os robots originais enferrujaram há muito, e o que aparentam ser robots são humanos disfarçados, outros agentes secretos julgados como mortos pelos que os enviaram, incapazes de perceber que a sociedade que infiltraram não existe. O se perpetuou foi um mito imposto pelo governo do planeta, às mãos de um frágil homem que se esconde por detrás de um aparente super-computador.

The Twelvefth Voyage: Testando um novo dispositivo de dilatação temporal inventado pelo inefável professor Tarantoga, Tichy sofre uma experiência aterradora num planeta distante. Os nativos capturam o dispositivo, o que provoca uma evolução acelerada, e Tichy vai-se alternado entre deus, pária e sacerdote até o conseguir reaver e regressar à Terra. As evoluções sociais dos indígenas alienígenas são uma amarga caricatura da nossa história.

The Thirteenth Voyage: Partindo em busca do mais brilhante pensador da galáxia, Tichy vê-se capturado num planeta cujo governo embarcou numa missão progressista única. Ali, a submersão é vista como o mais desejável, e as cidades vão-se afundando progressivamente para que os habitantes se habituem a respirar debaixo de água. Quando consegue escapar desta utopia aquática, é capturado pelos habitantes do planeta vizinho, que têm como regra o mudar de vida e profissão de 24 em 24 horas.

The Fourteenth Voyage: Depois de reparar o seu foguetão com um cérebro eletrónico novinho em folha, Tichy decide fazer um safari num planeta distante. Este planeta é constantemente assolado por meteoros, mas mal se nota. Tudo existem em duas e terceiras vias, prontas para substituir o que quer que seja destruído nos cataclismas diários. Até os seus habitantes têm substitutos que são também substitutos de substitutos. Assim, o local mais terrível da galáxia passa por paraíso de placidez e estabilidade.

The Twentieth Voyage: Regressado de mais uma viagem, Tichy é confrontado por um futuro Tichy que se materializa na sua sala de estar. O seu destino, diz-lhe, é ir para o futuro liderar uma organização que se dedica a corrigir a história cósmica, para tornar todo universo um local mais agradável. Tichy aceita, mas tudo corre mal. Todos os planos são estragados pelos cientistas da organização. Uma experiência azarada dá origem ao sistema solar, sucessivas tentativas de endireitar o eixo de rotação da Terra deixam-no na posição em que o conhecemos, biólogos criativos divertem-se a criar formas de vida ao longo das eras geológicas. Desistindo da evolução geo e biológica, o instituto vira-se para a história, mas nem aí as coisas correm bem, com a complicação adicional das interferências dos cientistas caídos em desgraça que Tichy exila no passado. Ou seja, toda a evolução do sistema solar, planetária, das espécies e da humanidade como a conhecemos teve origem nos falhanços da tentativa de criar uma humanidade perfeita. As grandes mentes da humanidade são cientistas do futuro exilados no passado. O que consola Tichy é que se assim não fosse, ele não existiria para ser o director do instituto cujas intervenções, por correrem mal, deram origem ao mundo como o conhecemos e para correcção do qual se tornou necessária a criação do instituto cujas intervenções desastrosas provocaram as situações que visa corrigir. Paradoxos temporais absurdistas e a história humana como laboratório de alucinações temperam esta história. Hyeronimus Bosch como um biólogo exilado para a idade média por ter povoado a era paleozóica de criaturas que contrariaram os diktats institucionais.

The Twenty-First Voyage: Aterrando a sua nave num planeta onde os utensílios crescem nos campos e nas florestas são percorridas por mobiliário selvagem, Tichy é acolhido por um grupo de monges robots que se dedicam à completa não-evangelização. Nos livros que estes lhe emprestam, o intrépido explorador do cosmos descobre a história de um planeta cujas ciência e filosofia levaram os seus habitantes a ultrapassar todos os limites da carnalidade, excedendo-se na manipulação dos seus organismos. Essencialmente uma longa meditação sobre os absurdos dos transcendentalismos, quer por tautologias religiosas quer por manipulação biológica.

The Twenty-Second Voyage: Pensando que perdeu o seu querido canivete, Tichy viaja de planeta em planeta à sua procura. Num planeta remoto conversa com um padre evangelizador, que lhe conta a triste história de um colega. Com a tarefa de evangelizar a espécie alienígena mais bondosa da galáxia, é tão bem sucedido que estes o torturam até à morte, replicando no seu corpo as histórias pias dos mártires da igreja, acreditando febrilmente que a martirização é o que o evangelista mais deseja.

The Twenty-Third Voyage: Uma visita ao planeta mais exíguo da galaxia, onde os diminutos habitantes têm mesmo muito pouco espaço para viver, leva Tichy a descobrir as maravilhas de um revolucionário sistema de transportes. Sempre que um dos habitantes do planeta se quer deslocar, vai até um atomizador para ser desfeito, guardado e enviada uma cópia para o seu destino.

The Twenty-Fifth Voyage: Seres misteriosos atacam foguetões nas proximidades de um sistema remoto. Acabam por se revelar batatas, transplantadas para um ambiente inóspito que as leva a evoluir até se tornarem uma espécie predatória. Após descobrir o segredo dos misteriosos seres, o Prof. Tarantoga parte em busca de uma civilização que vive no plasma de uma estrela. Tichy persegue-o, tentando manter um encontro ao qual se atrasou por avaria no foguetão. O conto termina com os seres plasmáticos a reflectir sobre o ridículo que seria haver vida inteligente baseada em proteína, longe das altas temperaturas das atmosferas estelares.

The Twenty-Eight Voyage: Numa longa e distante viagem, Tichy recorda os feitos bizarros dos seus antepassados, inventores idiosincráticos de sistemas e equipamentos que chocaram os seus contemporâneos. Termina reflectindo que navigare necesse est.