terça-feira, 8 de setembro de 2015
Cal de Ter
P.-J. Hérault (2012). Cal de Ter L'Integrale Tome 2. Paris: Milady.
Paul-Jean Hérault é um dos nomes clássicos da ficção científica francesa, autor desde os anos 70 de algumas dezenas de livros para a colecção Fleuve Noir Anticipation. Cal de Ter é uma das suas séries mais longas numa obra que inclui outras séries de space opera, como Gurvan. Esta é uma série típica de ficção científica pulp clássica. Sofre por isso das suas virtudes e defeitos. Se o nível de aventura e o dinamismo narrativo são elevados, a especulação futurista fica-se pelo elemento decorativo para dar cor à série. Cal é o típico herói esclarecido, de acção rápida e capacidade de discernimento acima da média, e o seu companheiro Giuse é o típico amigo do herói, mistura de comic relief com ouvido atento para as explicações que se destinam a que o leitor compreenda a história. Momentos que acontecem apesar de Hérault ser parco em infodumps. A tecnologia aparece sem explicações. O artifício de colocar os heróis numa base abandonada por uma desaparecida civilização galáctica é uma boa desculpa para Hérault não se preocupar com explicações alongadas para as tecnologias da série. São livros intrigantes para se conhecer melhor a FC europeia, mas de escrita datada, produzidos para manter o ritmo de edição das colecções.
Tendo escapado de uma Terra destruída num cataclismo, Cal e o seu fiel amigo Giuse abrigam-se no planeta Vaha, local paradisíaco onde encontram uma bem abastecida base de observação dos Loys, alienígenas extintos graças a um vírus misterioso. Estes espalharam-se pela galáxia, semeando os planetas terraformáveis com a sua tecnologia, mas utilizá-la tem um preço. Os Loys regiam-se por leis muito restritivas no contacto com outras espécies sentientes. A sua tecnologia pode ser livremente utilizada excepto se no planeta em questão existir vida nativa. Isso acaba por ser uma grande vantagem para os dois amigos. Com uma base de alta tecnologia à sua disposição, controlada por potentes supercomputadores, abundando recursos, robots e dispondo de tratamentos regenerativos e equipamentos de hibernação, Cal e Giuse eternizam-se no planeta. A galáxia devastada pelas pragas e a Terra aniquilada deixam-nos quase náufragos, mas náufragos de luxo a viver aventuras por entre os nativos enquanto, subtilmente, os influenciam na evolução civilizacional.
Hors Contrôle: Cal e Giuse acordam de uma longa hibernação em alerta: HI, o super-computador que controla a base Loy, fritou uma placa de controle e considera os humanos como perigosos intrusos. Só lhes resta fugir, acompanhados dos fieis robots, e encontrar abrigo por entre os nativos de Vaha. E para isso nada melhor do que tomar conta de um navio pirata, salvar umas quantas vítimas e estabelecer um porto seguro onde ensinam os indígenas a construir uma marinha de guerra e criar um sistema bancário enquanto se envolvem com duas beldades nativas. Essencialmente este Hors Contrôle inicia-se como aventura pura em espaços futuristas de ficção científica clássica, desenrola-se como aventura naval em altos mares e regressa ao início num final em que a argúcia de Cal de Ter engana a inteligência artificial para conseguir regressar à base. O tipo de enredo baseado num artifício que deixa qualquer leitor mais atento a perguntar-se "então, mas porque é que só no final do livro é que se lembra de fazer uma coisa tão óbvia?"
37 Minutes Pour Survivre...: O super-computador que controla a base alienígena que permite a Cal e Giuse a sobrevivência no planeta Vaha dá uma notícia inesperada aos nossos heróis. Tendo sido capaz de calcular a rota por onde chegaram ao planeta, mostra-lhes o caminho de regresso à Terra. É uma oportunidade que não desperdiçam. Equipam duas naves e, com a sua fiel equipa de andróides obedientes, atravessam as galáxias entre Vaha e o seu planeta de origem. A Terra que encontram é um planeta a recuperar dos cataclismas atómicos que o destruíram na guerra a que Cal e Giuse escaparam. As cidades são ruínas (como bom escritor francês, Hérault dá-nos um olhar particularmente detalhado sobre os escombros das maiores cidades francesas), a natureza vai recuperando. Ao sobrevoar a américa do norte, Cal e Giuse encontram um grupo de sobreviventes decaídos no barbarismo. Construíram uma sociedade tribal baseada na lei do mais forte e esqueceram os conhecimentos mais elementares. Resta, talvez, como último bastião da civilização uma base australiana que abriga outro grupo de descendentes dos sobreviventes. Estes preservaram o conhecimento técnico e cientifico, mas também o ódio que provocou a guerra entre terrestres e colonos marcianos que se saldou pela destruição total dos dois planetas. Incapazes de acreditar no que Cal lhes conta sobre a sua odisseia espacial, accionam uma arma final que irá despoletar bombas atómicas nas fissuras tectónicas numa última tentativa de negar a posse da Terra ao que acreditam ser uma nova invasão dos colonos marcianos. Cal, Giuse e os seus robots conseguem travar a arma de destruição final no último momento possível. Desgostosos com o destino do seu planeta, os heróis decidem regressar aos encantos de Vaha para umas merecidas férias nas suas ilhas paradisíacas e para ver como é que se encontra a civilização dos indígenas, cuja evolução vão guiando entre intervalos de sono criogénico. Como dádiva final à Terra, treinam um jovem e inteligente sobrevivente para reiniciar a civilização científica avançada no berço da humanidade.