segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Comics


Little Nemo: Return to Slumberland #02: Parece quase heresia rever o delicioso clássico de Winsor McKay, que nos legou uma obra onírica que mistura surrealismo com inocência infantil e um enorme virtuosismo gráfico. Mas estamos no mundo dos comics, conhecido pela ferocidade com que revê antigas personagens, algo que por vezes até corre bem. Sendo justos, há que reconhecer que Vittorio Giardino também revisitou Little Nemo sob o prisma da BD erótica europeia. Esta revisão da IDW é, em termos de argumento, o que se espera, replicando o espaço onírico da personagem original com uma linha narrativa mais coerente. O que surpreende é o grafismo, e aqui penso que encontraram em Gabriel Rodriguez o ilustrador perfeito para deslumbrar leitores e homenagear o estilo gráfico de McKay, sem que se perca o indivualismo do ilustrador contemporâneo. O traço meticuloso e elegante de Rodriguez já nos deslubrou em Locke & Key (o Clockworks é soberbo) e está notável neste regresso ao mundo dos sonhos.


Archer & Armstrong #25: A Valiant comemora vinte e cinco edições com um provável ponto final nesta que foi das melhores apostas que fez no seu revivalismo de séries de comics. Ajudou ter Fred Van Lente aos comandos dos argumentos, que soube recuperar os personagens dos anos oitenta para a contemporaneidade, misturando a magia de aventura dos comics clássicos com uma fortíssima crítica social e um bom humor assinalável. O que Van Lente fez com teorias da conspiração e sociedades secretas merece ser lido. A Valiant anda a reformular os seus títulos, começando a apostar em crossovers dos seus personagens e a deixar para traz os títulos únicos. As personagens vão continuar, mas estas séries terminam em ponto alto, tornando-se marcantes. Ao finalizar, Archer & Armstrong, a buddy comedy for eternity, junta-se ao ridicularizar das tropes do género super-heróis de Quantum & Woody, série brilhantemente escrita por Van Lente mas ilustrada por desenhadores abismalmente atrozes.


Dredd Uprise #01: A 2000AD a meter-se no jogo das sequelas cinematográficas, após a boa recepção do segundo filme a ousar levar o old stoney face ao cinema. Fiel ao filme, para trás fica a estética clássica do futurismo distópico da 2000AD (a única coisa em que o primeiro filme de Dredd acertava) para algo mais próximo da nossa realidade mas com pormenores suficientes para causar dissonância futurista. A história é bastante banal, mas a série surpreende com a visão de urbanismo futurista de pesadelo, misto de favela chic com decadência citadina e mega-projectos futuristas.


War Stories #02: A violência brutal da guerra nos céus europeus é retratada sem heroísmos bacocos por um impiedoso Garth Ennis. Leva-nos às missões de bombardeamento em pleno dia da Oitava Força Aérea sobre território controlado pelos nazis. No papel fixam-se as imagens de imensas armadas de B-17s, acossados por implacáveis caças germânicos. Ah, e talvez haja pelo meio uma história de amor entre um aviador americano e uma viúva de guerra inglesa com um filho traumatizado. Um segundo enredo que está tão colado a cuspo que não se percebe o que é que anda a fazer no meio da série. Talvez a ideia de Ennis seja a de aprofundar as dimensões deste personagem, ajudando-nos a sentir empatia pela extrema violência das missões que, ao contrário dos filmes que glorificam a guerra nos céus, deixam todos os sobreviventes com cicatrizes. Foi por isso que escolhi esta prancha, que justaposiciona o lado empolgante do combate aéreo com o realismo de um tripulante aterrado que assiste ao aniquilar dos seus camaradas de armas, sabendo que a próxima rajada de balas lhe pode ser dirigida. Se Ennis mantém a competência no rigor historiográfico, o ilustrador Keith Burns impressiona pela qualidade, precisão e emotividade do seu traço.