sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Dylan Dog: La Magnifica Creatura


Giancarlo Marzano, Gianmarco Nizzoli (2014). Dylan Dog #330: La Magnifica Creatura. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

Ao longo desta progressão no vício que é Dylan Dog já escrevi várias vezes que há duas vertentes neste personagem: o horror onírico e fortemente erudito de Tiziano Sclavi, e o personagem enquanto ícone aproveitado em inúmeras aventuras do oculto em estrutura previsível. Não é por acaso que se Dylan Dog é ainda hoje um personagem de sucesso a crítica qualifica como sublime as edições do final dos anos 80 e 90, época em que o argumentista e escritor criou o personagem e estabeleceu o seu mythos ao longo de histórias que cativam pelo mergulho num vasto referencial cultural enquanto arrepiam como bons contos de horror. É algo difícil de replicar, e nas mãos de outros argumentistas Dylan Dog limita-se a ter boas ou menos boas ou muito más histórias lineares, fundamentalmente não muito diferentes das de outros personagens similares no fumetti, bande dessiné ou comics. Aqui o que o diferencia é o peso de Sclavi, a mitificação do personagem, a réstea de esperança que talvez este mês a aventura corresponda à imagem que dele temos.

É o caso deste curioso número 330. Sem ser tão profundo como Sclavi conseguiria (mas imagine-se a vasta cultura literária e fílmica necessária para lá chegar), Giancarlo Marzano consegue contar uma interessante história que nos remete para o Dylan Dog clássico. Temos laivos da iconografia de Frankenstein, com o ilustrador a fazer nas primeiras pranchas uma deliciosa vénia a Berni Wrightson, ilustrador americano que criou uma das mais deslumbrantes adaptações do romance de Mary Shelly. Temos referências a segredos alquímicos e conspirações de multinacionais farmacêuticas. E temos uma bela homúncula, ser humano artificial esquecida num vaso alquímico durante séculos que desperta, de mente vazia, na Londres do século XXI. O segredo deste suposto clone, afinal homúnculo, atrai cientistas sem escrúpulos mas Dylan Dog não descansa até perceber como é que nasceu e salvá-la de uma vida debaixo do olhar clínico. Porque um homúnculo tem uma vida fugaz, que se mede em semanas, e Dylan dá a esta bela e alva criatura humana um vislumbre de uma vida que lhe é impossível.

Se se estão a perguntar se Dylan a leva para a cama, algo recorrente nas personagens femininas da série, esclareça-se já que não. A aparência de jovem beldade oculta uma mente infantil, que está a começar a apreender o vasto mundo, e o eterno apaixonado Dylan manifesta-se aqui com a nostalgia do fugaz desvanecer de algo de muito belo.