quarta-feira, 16 de julho de 2014
Terminal Tower
André Coelho, Manuel Neto (2014). Terminal Tower. Lisboa: Chili Com Carne.
Não se espere desta obra pouco clemente uma narrativa linear ilustrada. Neste livro experimental os códigos da BD são levados a um extremo próximo da abstracção. Não é simpático para o leitor, pois deixa quase tudo em aberto e descarrega nele imagens fortíssimas e acutilantes. Não tem de o ser. Um dos traços da maturidade do género é a amplitude de um campo de expressão que vai do pueril intencional ao questionar dos limites, zona de fronteira onde este Terminal Tower tão bem se insere, mais próximo de uma sequência pictórica do que da narrativa linear. Lendo-o, ou sendo mais preciso, construindo mentalmente uma possibilidade ficcional a partir da iconografia, ressoava-me na mente o ruído elegante do noise industrial (sim, essas coisas atraem-me). É uma interpretação discutível, bem sei, mas reagi a este livro mais como o faria numa exposição/happening do que como leitura. A narrativa dilui-se na imagem, ficando uma obra muito próxima da poesia visual.
O livro tem uma imagética de tirar o fôlego. O grafismo é uma colisão da bunker architecture de Paul Virilio com a desolação modernista de Ballard, o surrealismo difuso de Enki Bilal, a estética de collage de Dave McKean e alguns traços de mangá. Talvez esteja a ver demais, mas apostaria que há algo do desenho George Grosz nalguns momentos específico. Se as influências são evidentes esta não é uma obra derivativa. Muito pelo contrário. O ilustrador André Coelho consegue deixar nas pranchas momentos gráficos de uma negra e visceral beleza. Sente-se nalgumas a ferrugem decadente da desolação industrial, as trevas de um mundo corroído, o silêncio da natureza que devora ao seu passo tranquilo o que o homem construiu. Mais do que uma história, este livro é uma experiência do tipo mancha de Rorschach. Vê-se o que se espera, mas também se vê o que se sente no íntimo. E sublinho: contém ilustrações de tirar o fôlego, que se destacam no absoluto preto e branco mate do papel impressão mas se vistas no tamanho real e media original ainda são mais deslumbrantes. Na El Pep estão expostas algumas das pranchas do livro, uma visita que se recomenda.