quarta-feira, 25 de junho de 2014

Global Frequency


Warren Ellis (2013). Global Frequency. Nova Iorque: DC Comics/Vertigo.

Não sendo dos trabalhos mais conhecidos de Warren Ellis, é um dos mais brilhantes. O autor soube coalescer um conjunto díspare de ideias arrojadas em narrativas coerentes. A premissa de base cai na perfeição dentro dos conceitos de sabedoria das multidões trazidos pela internet: uma agência internacional, independente de governos, formada por indivíduos altamente especializados que se agrupam de acordo com as necessidades das missões. A fluidez dos grupos é controlada por Aleph, especialista de comunicações num nexo central e por Miranda Zero, coordenadora global. Os agentes estão interligados por telefones móveis capazes de geolocalização, vídeo e acesso web. Note-se que Ellis escreveu estas histórias antes da explosão dos smartphones. Cada aventura é uma história auto-contida, cheia de acção, onde são misturadas ideias tão de vanguarda como manipulação de ADN, terrorismo global, robótica, teoria dos memes ou a herança da guerra fria. É uma leitura fascinante, não só pelas histórias em si mas pela injecção de futurismo em estado puro, o elemento que eleva este Global Frequency ao estatuto de obra de culto. A ilustraçao está a cargo de alguns dos maiores nomes dos comics na actualidade,  como David Lloyd, Lee Bermejo, Steve Dillon e muitos outros. Quando Aleph (referência a Borges, caso não tenham ainda notado) chama e diz you're on the global frequency, coisas estranhas irão acontecer.

Bombhead: uma envelhecida arma da guerra fria começa a despoletar, ameaçando uma das maiores áreas urbanas da América. A arma está implantada no cérebro de um sensitivo russo, antiga cobaia dos investigadores soviéticos de armas exóticas e que agora vagueia pela cidade, esquecido pelas décadas e transformações do mundo. O seu implante, degradado, está a activar-se e a criar um buraco negro entre a sua localização e uma bomba atómica esquecida nas vastidões siberianas.

Big Wheel: um cyborg violento anda à solta num laboratório secreto da força aérea americana. Enlouquecido após descobrir a extensão da sua transformação numa horrenda mistura de carne e mecanismos optimizados para a violência extrema, tem que ser abatido para evitar um massacre de proporções épicas.

Invasive: de longe, a melhor e mais assombrosa das histórias que Ellis urdiu. E isto é dizer muito. Os habitantes de um quarteirão começam a ter comportamentos estranhos após exposição a um sinal captado pelo projecto SETI, descodificado pelo computador de um dos habitantes. O sinal contém um vírus memético, capaz de reprogramar o cérebro. Same brain, different operating system, diz-se a páginas tantas. Para conter e salvar a humanidade restam os esforços de uma cientista que num artigo científico previu a possibilidade de vírus meméticos alienígenas como vectores de ataque invasivo.

Hundred: um agente da polícia, aborígene australiano, e uma misteriosa inglesa têm como tarefa travar um culto suicida que se formou à volta da carismática figura do mentor de uma empresa de tecnologia. Estes lançaram na internet uma lista de exigências e ameaçam fazer-se explodir caso estas não sejam satisfeitas. Algo de impossível, porque para além de serem insanas foram publicadas num recanto tão obscuro que ninguém deu por elas. Excepto a frequência global.

Big Sky: os habitantes de uma remota aldeia norueguesa ficaram catatónicos após alegadamente terem visto anjos a pairar sobre as ruínas ardentes da igreja local. Um mago pertencente à equipe científica trazida pela organização para o local apercebe-se da elevanda ressonância infrasónica das rochas no local, capazes de induzir alucinações nos habitantes.

The Run: ainda aquele desporto urbano hoje popularizado era obscuro e já Ellis escrevia uma história à volta dele. O parkour e o tratar a cidade como uma sucessão de obstáculos a ultrapassar são o fio condutor desta história, onde uma ágil praticante tem de atravessar Londres em tempo recorde para travar a detonação de uma bomba capaz de espalhar uma estirpe mutante do vírus ébola pela cidade.

Detonation: em Berlim um grupo terrorista ameaça detonar uma bomba capaz de espalhar poeira radioactiva sobre Londres. Para os travar, bastam dois operacionais: uma perigosa agente chinesa e um arrepiante russo, que se descreve como aquele pior pesadelo que nos assassina, elimina toda a família, amigos e contactos apenas para deixar uma mensagem. A história não termina bem para o terrorista.

00.00.00.001: Miranda Zero foi raptada e o tempo urge. Os raptores sabem com quem estão a lidar e dentro de uma hora irão assassiná-la. Os agentes correm contra o tempo, puxando todos os recursos da rede, para salvar a sua líder no último minuto possível. Ellis diverte-se e insere na aventura uma engenhoca intrigante, um transporte aéreo individual com turbojactos.

Global Frequency: um ex-agente é o único capaz de intervir num evento em Osaka. Infiltra-se num asilo de lunáticos, onde um grupo de cirurgiões enlouquecidos decidiu fazer experiências escultóricas com o corpo humano, usando ADN alterado espalhado por aerossóis para provocar mutações genéticas.

Superviolence: uma orgia violenta, com dois adversários, lutadores exímios e adeptos do biofeedback, a lutarem até à morte. Apenas isso. Um deles é agente e por isso está do lado dos bons, mas termina arrancando o braço do adversário, enfiado-o na boca. Em Ellis a linha que separa os bons dos vilões é muito ténue.

Aleph: o impensável acontece. O santuário de Aleph, o nexus humano que coordena as operações globais do grupo, é penetrado por agentes inimigos. Ela poderia fugir, mas deixar o centro nevrálgico ser capturado é uma mensagem simbólica com demasiada potência.

Harpoon: Espectros da guerra fria e programas espaciais privados juntam-se nesta história fabulosa que encerra a série. Um satélite militar ultra-secreto que obedece a uma obscura ordem dos tempos da guerra fria para provocar uma redução maciça da humanidade entra em acção. É essencialmente uma catapulta no espaço para atirar bastões de materiais exóticos contra alvos. A aceleração gravitacional transforma-os em projécteis de força explosiva superior à de bombas atómicas. Correndo contra o tempo, a organização tenta tomar de assalto o centro de comando do satélite, cuja guarnição obedece a uma ordem obsoleta. Estão inacessíveis a quaisquer comunicações, excepto numa mensagem mensal pré-combinada. A alternativa é enviar para o espaço um agente equipado com uma bomba capaz de desabilitar o satélite, utilizando um projecto de exploração espacial privado que busca alternativas aos métodos tradicionais de atingir a órbita terrestre.