segunda-feira, 9 de junho de 2014

Comics


Dream Police #02: O mundo dos sonhos em tom grimdark é explorado nesta série que mistura o policial e o fantástico. Roubando uma página ao Sandman de Gaiman, Straczynski imagina um mundo paralelo, destino nocturno dos sonhadores, habitado por seres cuja função se resume a servir as necessidades dos sonhos como construtores, figurantes ou vigilantes. Não é uma ideia especialmente inovadora, mas o argumentista olha-a do ponto de vista do policial centrado em agentes da lei com problemas existenciais. O périplo pelo mundo nocturno, povoado por pesadelos, arquitectos oníricos, figurantes que se metamorfoseiam naqueles com que os sonhadores sonham, e seres com poderes semi-divinos que intervêm quando mais nada há a fazer está a ser divertido, mas já se suspeita o que nos espera: alguma conspiração capaz de estilhaçar o mundo, centrada num polícia honesto mas problemático.


Judge Dredd Mega City 2 #05: E assim se conclui esta demente aventura do old stoney face na califórnia pós-apocalíptica do mundo futuro da 2000AD. A ilustração de Ulisses Farinas é implacável, trazendo à mente o traço detalhado de Geoff Darrow, algo que fica particularmente sublinhado numa sequência de perseguição pelas rampas das auto-estradas demasiado similar a Hard Boiled para ser coincidência. Douglas Wolk termina em grande estilo um arco narrativo metaficcional onde leva a sociedade do espectáculo e o imediatismo mediático numa insana redução ao absurdo. Passando despercebido no meio da imensa história editorial do personagem, este é um dos melhores comics que li este ano. Ainda será cedo para escrever destas coisas, mas dificilmente aparecerá outro que consiga equilibrar tão bem o espectáculo visual com aventura e acção, envolvidos numa potente rede meta-ficcional que traduz para os comics o pós-modernismo mais outré trazido pela hipermodernidade.


Moon Knight #04: Bizarro, para os padrões da Marvel, mas o genial habitual em Ellis. O herói de sanidade duvidosa investiga sonhos que levam ao suicídio e homicídio, mergulhando num mundo onírico onde mutações genéticas se misturam com cogumelos mágicos. O mistério desvenda-se depressa. O Cavaleiro adormeceu sobre o cadáver de uma cobaia de experiência em estudos do sono, infectada por fungos que medraram no cérebro purulento e contaminam a zona com esporos psicadélicos capazes de trazer sonhadores para dentro de um espaço habitado pela vítima, ainda viva no mundo dos sonhos. Tudo isto contado num ritmo seco e austero mas rápido que caracteriza a aproximação de Ellis ao personagem. Os argumentos são auto-contidos e focam-se com precisão absoluta no cerne da narrativa. Não há desvios, aprofundamentos trágicos dos dilemas do héroi, intermezzos para encher a história. Focalizado, dinâmico, certeiro e capaz de meter o cérebro a dar piruetas com as ideias de onde parte.


Doc Savage #06: Não percebi por onde Chris Roberson anda a querer meter esta personagem clássica do pulp. A história é sobre um hacker que se infiltra no sistema de alerta global criado por Doc Savage e gera o caos. Mas fica-se com a sensação que há aqui um outro alcance, com o conceito de uma rede global que tudo vigia, dominada por um herói sempre alerta e pronto a intervir nos locais mais recônditos. Savage é um herói, é um bom da fita, qualquer coisas que faça, crie ou estabeleça não tem propósitos infâmes, certo? Talvez não, talvez não, mas estamos num momento contemporâneo em choque pós-Snowden e Wikileaks, em que sabemos que há gigantescas organizações estatais nas sombras que se especializaram em lançar tentáculos pela rede global e de facto interceptam, impunes, comunicações à escala global como uma espécie de olho vigilante omnipresente nas sombras. Uma rede global que tudo vigia graças à utilização de tecnologia. Por vezes, a diferença entre os bons e os maus é uma questão de gramática.


The Wake #09: Um momento surpreendente num comic já de si cheio de momentos surpreendentes. Esta armada esfarrapada que converge sobre o túmulo cheio de segredos nos mares polares de uma Terra assolada por uma praga de homens-sereia carnívoros libertos acidentalmente por explorações petrolíferas experimentais a grande profundidade. Se olharem com atenção um dos dirigíveis é um space shuttle seguro por dois balões. Isto é estranho, de uma forma deliciosa. A ideia de uma imensa criatura morta à deriva pelo oceano faz-me recordar Towing Jehova de James Morrow. E começo a perceber o porque de um título que traduzido significa velório, coisa que andava a estranhar porque até agora só tínhamos monstros em espaços claustrofóbicos e futuros pós-apocalípticos. Suspeito que a conclusão desta série será estrondosa.