quinta-feira, 15 de maio de 2014

Dylan Dog Collezione Storica a Colore, Volume 4


Tiziano Sclavi, et al. (2013). Dylan Dog Collezione Storica a Colore, Volume 4. Milão: Sergio Bonelli Editore/Gruppo Editoriale L'Espresso.

É sempre um prazer regressar a Attraverso lo Specchio, uma das mais belas, elegantes e desconexas aventuras de Dylan escritas por Tiziano Sclavi. Os delírios de uma antiga amante de Dylan, organizadora de bailes de máscaras onde se deleita a passear entre os convivas vestida de Morte e os seus medos de estar a ser enfeitiçada por um espelho amaldiçoado adquirido num antiquário são a faísca para uma aventura em que Dylan ainda é mais espectador do que habitual. Somos levados numa longa reflexão sobre a vida e a morte, sobre escolhas, medos, punições e finais tranquilos. As mortes podem ser acidentais ou coincidências, mas ficamos sempre com a sensação que estão ligadas ao delírio da jovem enfeitiçada pelo espelho. Sclavi faz aqui uma profunda homenagem ao conto de fadas, aos mitos ocultistas do poder dos espelhos, e à ficção de Edgar Allan Poe com um deliberado replicar de elementos de Masque of the Red Death. Liberto de constrangimentos, Sclavi mantém-se muito ambíguo numa história encantadora onde tanto vale o natural como o sobrenatural como explicação possível. Este é outro dos encantos deste autor, a forma como nunca deixa o leitor com a sensação que desvendou o mistério ou percebeu o porquê da história. Há sempre alternativas, nenhuma se sobrepondo na definição de uma verdade que é um conjunto de nuances e não um absoluto definido.

É essa ambiguidade que imbui Diabolo il Grande, um repescar por Sclavi daqueles filmes sobre magos e ventríloquos onde há bonecos que parecem ter uma maléfica vontade própria. Nesta aventura um mago de palco, especializado num truque em que aparenta decapitar um elemento da audiência, vai assassinando por onde passa mulheres que lhe recordam uma antiga paixão à qual deu um fim violento. O instigador dos assassínios é um boneco de ventríloquo que canaliza o inconsciente torturado do assassino, que se sente culpado por ter abandonado uma mãe sobre-protectora que lhe instilou a desconfiança sobre o poder da mulher. Mas, com a típica ambiguidade de Sclavi, ficamos sem saber se tudo se passa na mente do assassino ou se o boneco está mesmo animado por um espírito do mal.

Já nenhuma ambiguidade pervade Killer, terceira aventura coligida nesta edição. Diga-se que é uma leitura deliciosa. Só Sclavi se atreveria a misturar o clássico Golem de Meyrink com um Exterminador Implacável decalcado de James Cameron. Um assassino imparável, imune às balas da polícia e do exército, deixa um rasto de destruição por Londres enquanto aniquila todos os que têm um apelido germânico específico, e os que se encontram no caminho. Pensamos que se trata de alguma vingança sobrenatural contra algum torcionário de campo de concentração, mas não, as mortes são aleatórias. Um rabi demasiado parecido com Woody Allen para ser coincidência (imaginem Woody Allen como rabi hassídico) contacta Dylan e fala-lhe da maldição que encontrou na biblioteca do seu recentemente falecido primo, rabi em Praga. Quem conhece a tradição literária dos Golems começa aqui a perceber a história, mas Sclavi diverte-se a soltar o seu Golem, ao qual dá um esqueleto robótico  para melhor imitar o lendário T-800 (a caricatura de Schwarznegger está menos reconhecível do que a de Allen) num périplo destrutivo cheio de explosões. Sim, diria que isto daria um belísimo blockbuster de acção made in Hollywood. Sem ter a profundidade de Attraverso lo Specchio, sem a ambiguidade clássica de filme de série B de Diabolo il Grande, Killer são cem páginas de puro divertimento a glosar o cinema de acção com uma vénia à tradição literária gótica.