segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
Comics
Alex + Ada #04: Reboot. O momento do reiniciar capturado com uma subtileza notável. Os nossos computadores não se comportam desta forma, mas a andróide futurista desta intrigante série da Image vai descobrir que é mais inteligente do que esperava. Esta série move-se por caminhos que por vezes são esperados mas por outras surpreendem. Não trilham o caminho óbvio de criar uma relação amorosa entre o dono da robot e o artefacto simulador de vida. O que move o incauto dono é a extrema subserviência programada na inteligência artificial e a sua intuição que apesar de ser uma máquina mereceria ser capaz de pensamento independente. É muito uncanny valley. E é curioso centrar-se numa intuição humana mal explicada ao invés de raciocínios lógicos. O dono da andróide procura torná-la mais autónoma e capaz de ir além de simular a vida e ao fazê-lo depara-se com uma cultura muito subterrânea de donos de andróides e máquinas sentientes. Convenientemente, para efeitos de estrutura narrativa, os andróides já dispõem de potentes inteligências artificiais capazes de auto-conhecimento, estando restritas pro software e vendidas como limitadas para não assustar a sociedade. Mas quem sabe e procurar mais vida para a sua máquina viva encontra formas de remover os bloqueios e potenciar o poder da IA. As consequências virão na próxima edição deste comic muito discreto mas com premissas fortíssimas e capaz de despertar interessantes linhas de raciocínio.
Disney Kingdoms Seekers of the Weird #02: Pois é, meus caros, temos tendência para esquecer que graças à magia financeira dos jogos corporativos a Disney e a Marvel são hoje a mesma coisa em termos empresariais. Não tem havido ideias, pelo menos públicas, de concatenar os diversos mundos ficcionais das propriedades intelectuais geridos por esta criatura híbrida, até porque tal só faria sentido para algum alucinado com fortes desejos de ver os cavaleiros Jedi a lutar ao lado dos Vingadores para defender Patópolis. É melhor ficar por aqui e não dar ideias que não devem andar longe das mentes de executivos à procura de maneiras rápidas de lucrar com filmes ou comics de quinta categoria promovidos como produtos de excelência. É sempre bom recordar que tal como Cinderella, Branca de Neve, Ariel ou as outras Princesas Disney a princesa Leia também é uma princesa. Não perco a esperança de ver um alinhamento de princesas Disney que inclua Leia, de preferência com o fato que usou no antro de Jabba. Quanto ao comic, devo confessar que tem a sua piada. Nota-se que está criado com muito cuidado, aliando o savoir-faire da Marvel nos comics à vastíssima propriedade intelectual da Disney. A ideia é recuperar elementos da lendária atracção dos parques temáticos, Haunted House, e está feita sem correr grandes riscos. O argumento é tudo o que se poderia esperar de uma série young adult: um par de adolescentes levemente estranhos com os habituais problemas de afirmação pessoal e a suas famílias que escondem segredos, uma história de aventuras trágicas que terá um inevitável final feliz que os leva a descobrir que segredos formam a sua herança familiar. Nada de extraordinário, mas também nada mau.
The Extinction Parade #05: Vampiros versus Zombies nesta edição do comic de Max Brooks. Raulo Caceres ilustra e, sendo editado pela Avatar, venha daí o gore. Não tenho mais nada a dizer. É mesmo isto, apenas. É por isso que a série cativa, por ser aquilo que afirma ser. Tem um subtexto curioso, com Brooks a mostrar os vampiros como pouco mais do que sanguessugas incapazes de algo mais do que se aproveitar das glórias da humanidade, incapazes até de perceberem que hordes de zombies a comerem-lhes o gado humano são uma óbvia ameaça à sua existência. Tem o seu quê de crítica muito ínvia à ganância das oligarquias contemporâneas.
God is Dead #07: Azar o meu que não reparei no subtil apóstrofe que indicava Jonathan Hickman's God is Dead. Hickman terminou a série no sexto número mas a Avatar seguiu uma estratégia muito habitual no mundo dos comics de sugar ao tutano uma ideia com interesse e entregou o argumento a Mike Costa, que dá continuidade ao mundo ficcional de Hickman onde os deuses regressam à Terra para escravizar os humanos e lutar entre si, sendo finalmente derrotados por uma deusa criada artificialmente que se apropria de Gea e instaura o seu paraíso na Terra. O final tinha sido amargo e Costa dá-nos a continuação, com uma missão de evangelização ao continente australiano, onde os habitantes aliaram misticismo aborígene com tecnologia e se refugiaram no tempo dos sonhos (dreamtime, certo?), sendo por isso poupados aos desígnios sangrentos dos opressivos deuses amorais de Hickman. Só que... é continuar algo que foi bem terminado, só porque a série despertou interesse. Normal nos comics, e a Avatar já deu cabo de títulos divertidos como a Jenniffer Blood de Garth Ennis, entregando a continuidade a argumentistas menos dotados e a ilustradores pouco talentosos que acabam por enterrar as séries. Mas pronto, dê-se a Costa o benefício da dúvida, até porque teve tomates para nos mostrar o deus, sim, o todo-poderoso judaico-cristão, com os miolos esparramados sobre o trono celestial. Nietzsche não faria melhor.
Undertow #01: Vestígios de Robur animam esta muito surpreendente nova série da Image. É daquelas que não se tem ideias pré-concebidas ao pegar nela e que até se espera que não passe da mediania, o que torna a surpresa ainda mais saborosa. Estamos num passado profundo, com a humanidade ainda nos estádios de hominídeos a começar a dar sinais de inteligência, e nos mares reina a avançada civilização Atlante. Não a atlântida das lendas platónicas mas a outra variante, a de homens que vivem nas profundezas dos mares. A sociedade atlante é rígida e com tendências fascistas, mas há um homem (... homem? homem-peixe?...) que se propõe dar liberdade aos que não aguentam a opressão dos bons costumes. Estes reúnem-se numa espécie de tribo que voa sobre a terra emersa num vasto dirigível cheio da água necessária à respiração destes atlantes exilados que trocaram o mar pelos céus. Este arranque é prometedor e o expressivo estilo gráfico do ilustrador dá força a esta série surpreendente. Resta saber se a próxima edição conseguirá manter o nível. Já são tantas as séries que começam muito bem mas depressa decaem para o banal que não me atrevo ainda a maiores elogios.
The Unwritten Apocalypse #02: Mike Carey está positivamente didáctico no seu toque final à série mais amada actualmente pelos leitores da DC/Vertigo. A linha narrativa secundariza-se perante constantes referências a estruturas literárias, personagens tipo e artifícios narrativos. Carey parece estar a querer meter no mesmo panelão os elementos mais díspares do fantástico e do erudito na literatura e atear-lhe o fogo popularizador dos comics. O que até tem lógica. The Unwritten sempre foi um comic metaficcional, e é apropriado que termine numa espécie de apocalipse de ficções.