terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guido Crepax: L'Astronave Pirata


Guido Crepax (1968). L'Astronave Pirata. Milão: Rizzoli Editore.

Guido Crepax é talvez o nome menos indicado para criar um fumetti de ficção científica. Associamos ao autor um elegante traço de toque langoroso e decadente, cheio da sensualidade que caracteriza a banda desenhada erótica que o tornou famoso. Ver esta iconografia aplicada a naves espaciais e aventuras do imaginário do espaço cósmico é uma experiência interessante. Magnus já o havia feito com Gesebel, série de fumetti onde o representar da tecnologia com detalhe extremo é abandonado a favor de sobriedade, planos de grande proximidade e iconografia aerodinâmica. Crepax segue outro rumo. Claramente inspirado na tradição de desenho e pintura do renascimento ao barroco, torna esta sua pequena space opera num espaço verdadeiramente operático, povoando o sistema solar com ecossistemas surreais visitados por naves desenhada num deslumbrante estilo barroco. Para as personagens a inspiração clara são os fatos dos exploradores, conquistadores e navegadores renascentistas e armaduras medievais. Primeiro estranha-se ver fatos de astronautas estilizados como pesadas armaduras medievas ou elegantes fatos da nobreza, completos com rendilhados e folhos, mas no estilismo muito próprio de Crepax acaba por fazer sentido. Não é uma visão hiper-tecnológica de um futuro de aventuras no espaço. É space opera com ênfase no barroquismo dos adereços da opera clássica.

A história segue o périplo de uma tripulação de uma nave de pesquisa que, salva de um despenhamento em Saturno por um bando de piratas do espaço se vê envolvida numa busca por uma substância rara, necessária para uma arma de defesa final capaz de liquefazer as naves inimigas. Estes piratas utilizam uma estranha nave baptizada como Golden Hind e são liderados pelo capitão Drake, resplandecente na sua armadura de couro e colarinho folhado. Percebem a referência? Na sua base oculta revelam-se como lutadores anti-colonialistas que não suportam ver os terrestres a subjugar as espécies inteligentes do sistema solar. Um dos elementos da tripulação alia-se a uma bela pirata e foge em direcção à Terra. Encontrando-a cercada por uma misteriosa e poderosa frota desconhecida, refugia-se em Mercúrio onde a bela pirata é capturada pelos aborígenes gigantes do planeta. Salvos pela tripulação do Golden Hind, depressa se vêem novamente em fortes apuros quando são capturados pelas naves da frota misteriosa que se assemelham à nave pirata. Levados para Saturno, deparam-se com uma sociedade matriarcal de peixes humanóides da qual escapam por ajudar uma das mulheres-peixe a sobreviver a um ataque de uma medusa gigante. Libertos, têm ainda de enfrentar a mais poderosa das naves da frota militar terrestre, que acaba derretida sob efeito da nova arma de defesa dos piratas.

Estranho? Surreal? Bizarro? Sem dúvida. Esta é uma sensibilidade onírica que tem pouco a ver com os sonhos tecnológicos da Ficção Científica. O espaço é uma projecção dos périplos históricos dos descobridores em busca do exotismo de diferentes civilizações e as paisagens alienígenas sonhadas por Crepax têm mais a ver com as especulações renascentistas sobre as bizarras criaturas e estranhas arquitecturas que se encontrariam naqueles locais assinalados com vazios nos mapas do que com a pureza austera da ciência. O livro abunda de ilustrações deslumbrantes, reflectindo as aventuras no espaço sob uma sensibilidade onírica de inspiração visual barroca.