segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Interzone #243



Era difícil ultrapassar a edição anterior, ancorada num grande nome da ficção científica contemporânea. Mas a edição número 243 da Interzone mantém a solidez ficcional e reserva-nos algumas boas surpresas.

O mote de arranque é dado com Moon Drome, onde Jon Wallace revisita as bases da space opera com um conto sobre escravatura, ganância e libertação passado nas amplas vistas de um universo assediado por uma ameaça alienígena secretiva e violenta. Acenos são dados a Spartacus, com uma sociedade futura moldada nos piores vícios do império romano e nomes romanizados dos personagens.

A grande surpresa desta edição é o conto The Flower of Shazui de Chen Qiufan, muito bem traduzido por Ken Liu. Escrevo bem traduzido não por possibilidade de comparação com o chinês original mas porque a leitura fluída da tradução deixou-me agarrado a esta história que mistura a modernidade chinesa discretamente projectada para um futuro próximo com saberes tradicionais aprimorados com tecnologia, realidade aumentada como forma de expressão individual e a colisão entre desejos básicos do ser humano e tecnologias de vigilância e controle remoto.

Outra boa surpresa foi The Philosophy of Ships, onde Caroline M. Yoachim nos mergulha num sólido futuro ficcional em que a humanidade se espalhou pelo sistema solar e no processo se tornou pós-humana, quase imortal e com uma vasta gama de possibilidades de vida corporal ou como entidade puramente digital. A excepção está no poço gravitacional terrestre, habitada por uma humanidade 1.0. A morte acidental de uma destas humanas numa viagem de ski de um casal pós-humano em férias nas vastidões geladas do norte canadiano é o mote para uma reflexão sobre tecnologias pós-humanistas e o significado do corpo enquanto elemento de se sentir ser humano. Soa familiar? Pois soa, recorda logo a série Schismatrix de Bruce Sterling ou o Accelerando de Stross. Honestamente creio que soa muito bem, anda por aí pouca ficção sobre futuros pós-humanos energizados por tecnologias avançadas que se sobreponham aos mais entediantes raciocínios com validade científica duvidosa dos singularitários. E se estiver enganado, sintam-se livres para me contrariar com sugestões de leitura.

Priya Sharma assinou um conto singular na edição anterior da Interzone mas neste Lady Dragon and the Netsuke Carver não se percebe o porquê de fazer parte de uma publicação dedicada à ficção científica. Talvez funcione como ficção de romance fantástico, com toques muito subtis de realidade alternativa (tão subtis que mal se dá por eles). Este conto sobre uma implacável samurai que se apaixona por um escultor de miniaturas tem mais ar de Harlequin do que de Interzone. Ainda esperei por uma revira-volta final, tal como já o havia feito em Needlepoint (Interzone #241), mas nem isso. O conto não tem falhas literárias, mas... falta-lhe qualquer coisa para estar bem integrado na revista... como elementos de ficção científica ou especulativa enquanto cerne narrativo.

Para encerrar, Mirrorblink de Jason Sanford leva-nos a uma distopia cósmica cósmica informacional que mergulha a Terra no interior da fotosfera solar para a salvar da destruição. Uma espécie alienígena de vida baseada em informação conhecida como observadores espalha-se pelo universo eliminando sistematicamente vida que consideram ser erros de código. Dissenções entre as entidades cósmicas salvam o planeta, mas com um preço elevado: o regresso ao feudalismo, o isolamento das populações, a eliminação pelo fogo de focos de conhecimento científico. Fica nas mãos de uma viajante contaminada pelos ideais de um observador dissidente a restauração do progresso tecnológico, o regresso da espécie humana ao processo evolutivo e a devolução do planeta à orbita correcta. O problema ético do observador dissidente é uma questão de obsolescência de informação, uma vez que sabe não ser mais do que uma iteração de programas informacionais espalhados pela galáxia cujas premissas operativas se poderão ter modificado há muito tempo atrás. e repetir o que sempre se fez sem o questionar é um erro.

Confesso que um dos pontos que me leva a regressar fielmente a esta revista é a crítica, sempre disposta a sugerir ou a demolir o cinema dos géneros do fantástico, a mostrar novidades literárias e com duas páginas onde David Langford deixa curtas linhas sobre o mundo da FC. Novamente, esta edição não desilude, com uma particularmente sólida crítica aos filmes de ficção científica e fantástico do final deste ano de 2012.