segunda-feira, 13 de novembro de 2006
American Flagg
American Flagg
Wikipédia | American Flagg
Wikipédia | Howard Chaykin
Criado por Howard Chaykin para a First Comics, American Flagg foi, durante escassos doze números, o comic mais interessante dos anos oitenta.
American Flagg gira à volta das aventuras de Reuben Flagg, polícia idealista que através de meios ilegais procura restaurar uma américa devastada. O intrigante mundo de American Flagg é um futuro próximo caótico, que em 1996 entrou em colapso. Enfrentando guerras, catástrofes ambientais e desastres nucleares, o governo americano e as grandes corporações refugiaram-se na lua e em marte. Ao longo de trinta anos, foram-se transformando na Plex - um conglomerado económico com mandato governamental que rege, de facto, o território dos estados unidos a partir da base Hammarskjold, em Marte. Alicerçada em centros comerciais, os novos centros governamentais, a Plex apenas está interessada em maximizar os seus lucros e em tornar Marte auto-suficiente. Como tal, a guerra é a principal actividade económica. A população divide-se em policlubes, especializados na guerrilha urbana, e é armada e financiada pelas empresas da Plex, que em troca garantem os direitos e transmissões empolgantes para o programa de televisão mais visto na Terra, na Lua e em Marte: Urban Warfare (tm).
Os media são directamente controlados pela Plex, que apenas autoriza a emissão dos seus canais - um misto degradante de pornografia, violência e informação sensacionalista. Vivendo na pobreza, megulhados em micro-guerras sangrentas, na violência de um dia a dia sem esperanças, a população vive num clima moral hedonista. A Plex desencoraja os valores morais. Os desportos estão proibidos, e a alfabetização desencorajada. Num clima de grande promiscuidade sexual, encorajada pela Plex, o consumo desregrado de anticoncepcionais está a causar uma queda demográfica alarmante. Mas os verdadeiros objectivos da Plex consentem esta degradação: por um lado, espremer todo o rendimento possível aos habitantes da américa, e, por outro, despovoar os territórios americanos, tornando-os apetecíveis para compra por parte das novas grandes potências terrestres: o Brasil e a União Pan-Africana.
É neste complexo e violento mundo em que Flagg se move, um mundo em que o Reino Unido implodiu, tornando-se a República Popular Inglesa, em perpétua guerra com a Irlanda.
Flagg é marciano, nascido na Base de Hammarskjold (os mais perspicazes já perceberam uma referência a um antigo secretário geral das Nações Unidas) de pais pouco conformados com os padrões morais da Plex - que se encoraja e explora a promiscuidade na Terra, desencoraja-a em Marte. Rebelde, Reuben Flagg torna-se estrela de televisão, como Mark Thrust: Sex Ranger, num dos programas de maior audiência no sistema solar. Mas a fama e o estrelato apenas lhe rendem até os produtores do programa o substituirem por um holograma (se comic tivesse sido criado nos anos 90 seria um actor virtual). Sem sítio onde cair morto, Reuben junta-se aos Plexus Rangers, a força policial encarregue de manter a lei e a ordem na Terra. Flagg acaba destacado no centro comercial de Chicago, a arcologia que domina o antigo Illinois. Aí, sob comando de um ex-criminoso transformado em chefe de polícia, combate a violência insensível de sábado à noite, e após o assassínio deste, torna-se o seu herdeiro, quer dos cargos legais - chefe da Plexus de Chicago - quer dos negócios ilegais - dono da q-usa, uma estação de televisão pirata, e sócio de uma equipe de basketball pirata, em conjunto com o altamente corrupto presidente da câmara de chicago.
Para além do icónico Reuben Flagg, o comic conta com uma série de personagens fascinantes, saídas da imaginação acelarada de Howard Chaykin. O principal ajudante de Flagg é Raul, um gato ruivo e falante, com uma assinalável inteligência; Hilton Krieger, superior de Flagg, representante da lei e pirata televisivo; Amanda Krieger, pequeno génio da engenharia, que odeia o pai e é amante ocasional de Flagg; Charles Keenan Blitz, ex-criminoso e presidente da câmara de Chicago, que com um sorriso e uma mão eminentemente política tem os seus dedos em todos os negócios ilegais da cidade e anda sempre acompanhado de Bert e Ernie, os seus robots-seguranaças (se traduzir os nomes para Egas e Becas percebem a referência); Crystal Gayle Makarova, piloto auronático de origem russa e capitã de dirigiveis das Indústrias Quarto Mundo (o conglomerado que de facto rege a super-potência brasileira); Medea Blitz, filha de C. K., que evoluiu de um passado criminoso até se tornar uma fiel representante da lei; William Windsor-Jones, inglês conhecido por Bill entre os amigos, elemento de ligação com uma sociedade secreta de velhos hippies que desenvolvem programas ilegais sociais e de alfabetização e que é o herdeiro legítimo do trono inglês; Luther Ironheart, um andróide dotado de uma pouco inteligente inteligência artificial; Jules Folquet, um gigante assutador que é ao mesmo tempo um intelectual e o capitão da hiper-violenta equipe de basketball ilegal de Chicago; e Sam Luis Obispo, escroque de baixa estirpe mas de bom coração.
Com este cenário desolador e esta lista de heróis pouco recomendáveis, está visto que American Flagg não é um comic de digestão fácil, simplista e apropriado a mentes impressionáveis. Para mais, Howard Chaykin aproveitou as páginas do comic para explorar as fronteiras gráficas do género. As pranchas de American Flagg rompem com os cânones do género de uma forma ainda hoje inovadora. Gráficamente, American Flagg tem um dinamismo muito forte, cujo paralelo que me ocorre é o dinamismo dos video-clips, com toda a estética das imagens misturadas e entrecortadas.
Trabalhando numa editora independente, o criador gerou um comic irreverente, gráficamente avançado e que explorava as obsessões de Chaykin com sexo, violência e o jazz dos anos trinta (época violenta dos gangsters). Infelizmente, após doze números, Chaykin cansou-se de American Flagg e seguiu novos rumos - o revivalismo de dois heróis do panteão da DC Comics, The Shadow e Blackhawk, e a criação da perturbadora e obscena graphic novel Black Kiss. Entregue a argumentistas que não compreendiam as implicações do universo do comic, e a ilustradores que não atingiam o radicalismo visual de Chaykin, American Flagg depressa foi esquecido.