sábado, 5 de agosto de 2006
Canícula
Depois de uns dias apropriadamente cinzentos a recordar o inverno, a canícula regressou em força. A vaga de calor que tem assolado a europa chegou cá, e assentou arraiais no nosso jardim plantado à beira-mar. A chusma que entope as praias agradece - já os vejo, daqui do alto da minha varanda, como formiguinhas em peregrinação até à beira-mar, onde descansarão os ossos sobre a areia quente enquanto esturricam a pele debaixo de um sol escaldante. Eu, por outro lado, nestes dias transformo-me num recluso eremita. Refugio-me na minha caverna, com as persianas corridas numa fresca treva. Dias de sol escaldante são para mim piores do que dias de tempestade violenta. Nestes dias, sentimos os raios do sol a cair sobre a pele, como se de chuva torrencial se tratasse. Mas se a chuva é fria, a chuva solar escalda; sentimos a pele a queimar sob o bombardeamento de biliões de fotões originados nos fornos eternos do astro-rei. Não a considero uma sensação agradável, muito pelo contrário. Opinião diferente tem aquela etnia sazonal que enche a vila da Ericeira, cuja opinião dos dias de verão agradávelmente frescos é fortemente desdenhosa. Mas o sol aperta, e eles alegram-se, antegozando horas deitados sobre a areia a sentir a pele esturricar, em nome do bronze e dos melanomas.
Vagas de calor são um dos sintomas dos tempos modernos. Os cientistas dizem-nos que asa vagas escaldantes e mortíferas são um dos sinais do aquecimento global, tal como o paradoxal arrefecimento dos invernos. Sempre vivemos vagas de calor, como nós bem sabemos. Habitantes deste cantinho onde o mediterrâneo se cruza com o atlântico, sabemos bem como o nosso clima temperado é no verão refogado pelo sol. Mas os novos tempos estão a alterar os velhos padrões. O principal sintoma das consequências do aquecimento global é um exacerbar de extremos de temperatura - o que significa tempestades de inverno mais violentas, e vagas de calor veraneante mortalmente quentes.
Sendo manhã, o calor ainda não aperta. O mundo começa a acordar, os galos cantam, ao marulhar das ondas começa a sobrepor-se o ruído da humanidade. A luz da manhã é uma luz jovem, uma luz que refresca as cores. A suave brisa, prenúncio da nortada tão comum nesta costa, sopra fresca, arrepiando a pele. Aproveitando a brisa, os insectos voam alto, perseguidos por uma simpática horde de andorinhas que aproveita a manhã para saciar o seu jejum. Os coelhos selvagens que habitam o baldio aqui ao pé aproveitam o fresquinho da manhã e mostram-se, fugazes e curiosos, antes de voltarem a esconder nas moitas e nos silvados. Seria um dia perfeito, se o sol não insistisse tanto em queimar.
A foto foi tirada ontem, ao fim da tarde. Da minha janela os crepúsculos são por vezes grandiosos, por vezes imperceptíveis. Nos dias muito quentes, o crepúsculo assemelha-se a uma explosão gigântica que deixa o céu sob cores violentamente avermelhadas. Não é uma visão especialmente gloriosa.