terça-feira, 9 de maio de 2006

O estudo das visitas

Ontem passei a manhã naquele ritual da profissão docente que é a visita de estudo. Muitos podem pensar que a visita de estudo, aquele emaranhado de miudos barulhentos aos pulos acompanhados por professores de ar desesperado que costuma encher museus e parques durante a semana é um acaso na vida escolar, mas a verdade é que existem negócios inteiros à volta das visitas de estudo. Dêem um pulo ao Jardim Zoológico ou aos museus durante a semana, e o que vêem? Crianças em visita de estudo. Vão a um teatro durante a semana e qual é o público? Esse mesmo.

A visita a que ontem fui envolveu uma ida ao teatro para ver mais uma adaptação de Ulisses, da Odisseia homérica. Tendo a peça sido representada no auditório de um colégio lisboeta, tive de aturar as minhas alunas pré-adolescentes a enaltecer ruidosamente as qualidades físicas dos alunos do dito colégio, coro dissonante ao qual se juntaram as vozes dos meus alunos pré-adolescentes, que ruidosamente enalteciam as qualidades físicas das alunas do colégio. Primavera, hormonas e crianças em fase de adolescência. Não há pachorra, digo eu, abanando a cabeça. Entrados no auditório, assim que as luzes se apagaram lá veio o inevitável coro de gritos e assobios vindos das jovens gargantas, em dueto com os "chiuuuus" dos professores. Mas assim que os actores chegam ao palco, milagre: instala-se o silêncio, e as centenas de crianças dentro do auditório ficam irremediávelmente encantadas com as peripécias em palco.

O teatro infantil é um teatro genuino e ruidoso, feito de exageros histriónicos, dualidades simples e heroísmos divertidos. É barulhento e simples, agitado, com o corpo dos actores a comunicar mais do que as suas vozes. No fundo, é o teatro primitivo, aquele que sempre foi representado, mesmo nas épocas que privilegiam as formas mais rarefeitas e elaboradas. É teatro-farsa, opera buffa, pantomina.

Um dia inteiro a aturar miudinhos a correr e a gritar de um lado para o outro, a tentar evitar que se agridam ou que se pendurem nas àrvores. A recompensa? Se a alegria das crianças não nos restaura a fé na humanidade, então somos casos perdidos.