quinta-feira, 13 de abril de 2006
The Time Machine
The Time Machine
Wikipedia | H. G. Wells
Ter revisto o clássico Guerra dos Mundos na sua versão dos anos 50 deu-me vontade de reler mais um pouco da obra de H. G. Wells, o escritor britânico da viragem do século XIX para o XX que foi um dos pais da ficção científica enquanto género literário. Embora a atribuição do título de ficção científica às obras literárias que lidem com a ciência e com futuros (ou passados) imagingários tenha sido dada por JohnJoseph Campbell, editor da lendária revista Astounding, o trabalho de H. G. Wells (bem como o do francês Júlio Verne) foi o percursor de toda a panóplia literária ligada à ficção científica. Para além disso, H. G. Wells foi um elemento interventivo na sociedade britânica do início do século XX, tão conhecido pelas seus ideiais políticos que se aproximavam do socialismo como pelos seus singulares contos que analisavam o impacto da ciência, e o impacto do espírito de invencibilidade associado ao progresso científico, através de fábulas futuristas.
The Time Machine é um dos seus grandes clássicos. A história do cientista do século XIX que descobre uma forma de se locomover através dos tempos e chega assim a um mundo futuro é uma das grandes obras-primas da ficção científica.
O conto inicia-se com um encontro de amigos, onde o cientista demonstra com uma miniatura o funcionamento da máquina do tempo, após ter explicado aos seus convivas que o tempo pode ser considerado uma quarta dimensão, podendo o homem, através dos aparatos apropriados, deslocar-se a seu bel-prazer nas infindas direcções temporais (esta ideia do tempo como quarta dimensão espácio-temporal andava no ar na viragem do século). Perante a descrença dos companheiros, o viajante no tempo marca um jantar no mesmo local, para daí a sete dias. Ao fim dos sete dias, os amigos encontram-se na casa do viajante do tempo para jantar, mas do viajante do tempo, nem sinal. Começam a jantar, e assistem à chegada do viajante do tempo, sujo, fatigado e de trajes rasgados. Este, após uma muito civilizada mudança de roupa para jantar, conta aos convivas uma história inacreditável.
No dia seguinte ao teste com a miniatura da máquina do tempo, o viajante no tempo decide-se a experimentar a sua máquina do tempo. Entra dentro do mecanismo, e avança. Súbitamente, enquanto o viajante fica estátioco, todo o espaço à sua volta começa a mudar, a acelarar, tornando-se a acelaração do espaço-tempo tão rápida que o viajante do tempo depressa perde a noção do espaço. Ao parar a máquina do tempo, o vianjante descobre que não viajou no espaço - ainda se encontra no terreno que no passado havia sido o do seu laboratório. Mas, no distante futuro onde o viajante do tempo parou, todos os edifícios que conhecia desapareceram, e onde se erguia a Londres dos tempos do século XIX agora erguem-se esparsos edifícios de arquitectura arrojada, entre largos campos. O próprio rio Tamisa mudou o seu curso, ao longo dos séculos. O viajante do tempo termina a sua viagem no ano 802 701, e abandona a sua máquina, desejoso de explorar as maravilhas do mundo futuro.
O viajante do tempo cedo se depara com os Eloi, a humanidade futura. Delicados, jovens e alegres, os Eloi vivem em comunidade nos gigantescos edifícios que salpicam os campos de temperatura agradável do mundo futuro. Mas, ao tentar conhecer melhor os Eloi, o viajante do tempo fica desconcertado. Os Eloi não exibem quaisquer sinais de curiosidade, de espírito inventivo, de labor ou uso de tecnologias. Limitam-se a viver as suas vidas por entre os bosques e as veredas do seu mundo luminoso, comendo frutas que aparecem nas mesas como que por milagre, vestindo roupas que não são manufacturadas por alguém visível. A princípio, o viajante no tempo entusiasma-se com o progresso humano, mas quanto mais conhece os Eloi mais se desencanta. Para o viajante no tempo, os Eloi são pouco mais do que crianças, vivendo alegremente num mundo que não compreendem. No entanto, o viajante no tempo nunca chega a desprezar os Eloi, graças à amizade que lhe é dedicada por Weena, uma Eloi que o vajante do tempo salvou de uma morte por afogamento, perante a impassividade dos restantes Eloi. Aos mistérios do mundo dos Eloi junta-se o mistério do desaparecimento da sua máquina do tempo. A solução destes mistérios revela o negro segredo do mundo futuro, e a extensão da decadência de uma humanidade complacente após ter atingido os pináculos de desenvolvimento social e tecnológico. Debaixo dos Eloi, em profundos túneis, habitam os Morlocks, uma sub-espécie degenarada de ser humano. São os Morlocks que operam a maquinaria que permite o mundo alegre e despreocupado dos Eloi, que produzem a comida que os Eloi consomem, que manufacturam as roupas dos Eloi. Como preço pelo seu trabalho, os Morlocks alimentam-se dos Eloi, que raptam nas noites escuras. Ao viajante do tempo, o futuro que julgava inagualávelmente perfeito surge com as cores horripilantes da exploração social levada ao extremo absurdo. A dicotomia entre classe dominante (os Eloi) e classe operária (os Morlocks) surge como uma distorcida simbiose, em que a carne dos Eloi é dada aos Morlocks em troca de uma vida despreocupada.
Após algumas peripécias, o viajante do tempo consegue recuperar a sua máquina, e avança em direcção ao futuro, até ao fim dos tempos (por assim dizer), onde descobre que uma terra em que de todos os vestígios da humanidade, de todas as suas obras, grandezas e capacidades, nem as memórias restavam num planeta habitado por fungos e criaturas que se assemelhavam a caranguejos.
Um pormenor espantoso de The Time Machine é a sua visão profundamente distópica. O futuro é sempre símbolo de esperança, de algo melhor do que o tempo presente, mas H. G. Wells não nos dá essa visão. A perfeição futura está horrivelmente maculada pelas desigualdades. A dicotomia económica entre classes operárias e classes dominantes transforma-se num assustador sistema social. Todo o esforço humano no sentido de maior progresso, de melhores confortos, de maiores avanços científicos, leva a humanidade a um beco sem saída. Tendo tudo, a humanidade deixa de sentir o desejo de ir mais além; acomoda-se, e vai lentamente esquecendo as ideias que levaram milénios de intenso labor a ser descobertas.
Uma das partes mais interessantes de The Time Machine está na visita que o viajante do tempo faz a um museu, que recolhe as memórias da grandeza humana - os seus livros, as suas invenções, a sua arte. Mas os livros desfazem-se em pó, as grandes invenções da humanidade não passam de máquinas ferrugentas e calcinadas. O tempo, inexorável, encarrega-se de desfazer todas as vaidades, todos os sonhos e todas as esperanças humanas.