quarta-feira, 5 de abril de 2006
Delicatessen
IMDB | Delicatessen
Delicatessen
Site oficial de Jeunet e Caro
A dupla Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, cineastas franceses conhecidos pelos seus delírios visuais e pelos seus filmes apaixonantes, ficou conhecida devido ao filme O fabuloso destino de Amélie, filme apaixonante e ternurantemente bizarro que encantou os amantes do cinema. Muito antes de Amélie, a dupla de cineastas realizou aquele que é sem qualquer sombra de dúvidas um dos mais delirantes filmes da história do cinema. Falo aqui de Delicatessen, fábula bizarra com um mise en scéne perfeito, que mistura ficção científica, fantasia amorosa e comédia delirante num ambiente visualmente perfeito.
Numa França anacrónicamente pós-apocalíptica, Louison, ex-palhaço de circo que perdeu o seu emprego após ter encontrado os restos semi-devorados do seu parceiro, encontra um novo emprego em casa de Clapet, um talhante que é dono de um prédio onde um grupo idiossincrático de habitantes tenta sobreviver no meio da decadência pós-apocalíptica. O edifício, em eterna luta contra a ruína, é habitado por uma coleção bizarra de personagens. A família Tapioca, pai, mãe, dois filhos e uma avó, vive numa luta constante contra a pobreza. O pai Tapioca passa a vida a lutar contra as pequenas contrariedades da vida, como encontrar empregos inexistentes ou reparar preservativos furados. Os Interligators são um casal rico, ele um aristocrata de sensibilidades delicadas e ela uma neurótica que passa o filme a tentar colocar em prática esquemas bizarros de suicídio (tocar à campaínha liga a máquina de costura que começa a coser um pano que desiquilibra um candeeiro que cairá dentro da banheira onde a nossa suicida falhada espera ansiosamente pela morte). Plusse é uma rapariga simpática e bonita que.. enfim, faz pela vida, e não se importa quando comentam que as molas do seu colchão já viram muito uso. Os irmãos Roger e Robert têm como trabalho a manufactura de latas de leite condensado furadas, que quando abertas apenas libertam o som de uma vaca a mugir. Na cave do edifício, sem nome aparente, vive um idiossincrático que cria sapos e caracóis ao som de marchas militares, no meio de um apartamento semi-inundado e com as paredes negras de humidade. Nas àguas furtadas vive Julie, a sensível e míope filha do talhante, que se apaixona por Louison mas é cobiçada pelo Carteiro, figura que faz a ligação entre o prédio e o resto do mundo arruinado.
O talho guarda um segredo: aqueles que Clapet contrata como tarefeiros para o seu prédio têm encontro marcado com os cutelos de Clapet. A carne que se vende no talho é carne daqueles que trabalharam no prédio. Os nossos simpáticos e idiossincráticos habitantes são um bando de canibais de classe-média sensível e delicada.
A paixão de Julie por Louison vem alterar tudo. Em desespero, Julie contacta os Trogoloditas, um grupo de vegetarianos que vive à parte da sociedade, por entre os esgotos. Tudo os que os Trogloditas têm de fazer é raptar Louison. Mas, claro, tudo corre mal.
Delicatessen é perfeitamente hilariante. O bizarro e o esmagadoramente cómico andam de mãos dadas desde a primeira cena do filme (um par de olhos assustados dentro de um caixote de lixo) e a última cena (um concerto com o violoncelo de Julie e a serra musical de Louison). O delírio visual é constante, revelando as influências do cinema de Terry Gilliam (o ex-monty python responsável por delírios cinemáticos como Brazil ou 12 Monkeys) ou dos cartoons de Tex Avery (Bugs Bunny ou o delirante Road Runner). Delicatessen não é um filme que nos deixa a pensar, instrospectivos com alguma característica humana. Também não é puro escapismo sem sentido - Delicatessen são noventa minutos de delírio sonhador, de cinema no seu estado mais puro - um entretenimento projectado no ecrã, que nos comove, diverte e apaixona com o seu mundo muito próprio.